terça-feira, 2 de julho de 2019

Flor Seca

Parte do movimento que se habituou chamar nouvelle vague japonesa, o filme de Masahiro Shinoda lançado em 1964 é um afiado conto de observação moral.
Ciscando num terreno hoje relacionado com mais frequência à Seijun Suzuki –o dos registros urbanos, proporcionais em ternura e acidez, que unem as tendências comerciais do gênero à uma sutil e inteligente transgressão artística –ele começa quando Muraki (Ryo Ikebe) sai da cadeia após três anos encarcerado.
A narrativa de Shinoda se ocupa assim de sua adaptação ao mundo que deixou: Sua amante, carente e problemática, arranjou outros homens em sua ausência, no entanto, continua carente e problemática (e ao cercá-la de relógios ruidosos em sua primeira aparição, o diretor evidencia certo viés obsessivo que a personagem vai escancarar mais tarde); e a gangue yakuza –em nome da qual ele cometeu o crime pelo qual foi preso –agora elabora uma trégua com a mesma gangue que Muraki outrora afrontou, o que faz dele uma presença constrangedora.
Nesse ambiente tão lúgubre e ameaçador quanto a cadeia de onde saiu (e ainda mais dúbio por agregar outros relacionamentos pessoais), Muraki irá conhecer Saeko (a bela Mariko Kaga), jovem enigmática que ele encontra em meio aos apostadores de jogos. Desde o início fica claro –e assim Shinoda faz questão de filmar –que Saeko é um corpo estranho ali: Os seus contornos delicados de mulher são evidenciados no cenário onde predomina uma masculinidade monótona.
Se Muraki procura, incerto, reencontrar seu lugar nesse mundo que parece ter se adaptado justamente à falta de sua presença, Saeko insiste em adentrar nele, invadi-lo e inteirar-se de suas regras, barrada por sua inadequação, mas impelida por um vício irresistível pela jogatina. São, pois, duas almas perdidas que se atraem.
Mais até do que atração física, Shinoda vislumbra o fascínio que seus isolamentos existenciais provocam um no outro (ele, dilacerado por descobrir-se uma engrenagem removida de seu propósito junto à máquina; ela, um ser intruso, ávida não só por aprender os códigos do submundo, mas por burlá-los), ainda que, no final, Saeko se mantenha um mistério para Muraki –no que ele enxerga paradoxalmente a razão para dela se afeiçoar.
Apesar disso, o diretor não demora a se dar conta do quanto aprecia enquadrar os belos rostos desse casal protagonista.

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