quinta-feira, 25 de julho de 2019

Sem Licença Para Dirigir

O falecimento do astro juvenil Corey Haim, em 2010 devido a uma pneumonia acarretada por uma complicação cardíaca genética, não chegou a interromper o que poderia ter tido uma bela carreira –antes disso, seus projetos e filmes realizados nas décadas de 1990 e 2000 já apontavam uma espécie de decadência deflagrada por vício de drogas e uma vida prejudicada por abusos.
Ainda assim, a perda de Haim foi tão impactante que ela afetou também a carreira de Corey Feldman, seu grande amigo e colaborador em alguns filmes (ao menos aqueles mais lembrados), que após sua partida entrou num ostracismo hedonista, transformando-se numa caricatura de si mesmo e deixando completamente de lado a presença em filmes relevantes.
É provável que a produção mais emblemática da parceria dos dois tenha sido o divertido “Sem Licença Para Dirigir”, que eles fizeram um ano depois do também marcante “Os Garotos Perdidos” (onde eram coadjuvantes e mais jovens) e um ano antes do pouco conhecido e pouco interessante “Um Sonho Diferente”.
Já com a idade ideal para viver o protagonista jovem e descolado, Corey Haim interpreta Les Anderson, adolescente de 16 anos cuja meta mais almejada é tirar a carteira de motorista –objetivo este ilustrado com a ansiedade desesperadora típica da juventude no prólogo surreal, uma perseguição de carro em que o perseguidor é o opressor motorista do ônibus escolar (o veículo que aqueles que não dirigem estão fadados a usar para se locomover).
Numa observação de valores bem norte-americanos, fica claro para Les e para a plateia que dirigir um carro significa assim conquistar certa independência em relação aos pais; respeito em relação aos amigos e alguma mínima atenção em relação às garotas, sobretudo, em relação à linda Mercedes (Heather Graham, um colírio para os olhos).
Tal chance até aparece de forma inesperada; Em uma festa (daqueles típicas dos anos 1980, onde os garotos mais jovens não podiam, sob decreto algum, permitir que fossem vistos chegando de carro com suas mães), Mercedes tem uma briga com seu atual namorado. A fim de dispensá-lo em definitivo, ela conta com a ajuda de Les (que estava por perto, por puro acaso) para confirmar um encontro hipotético que os dois tinham no sábado à noite.
Com isso em mente, Les ganha uma motivação a mais para passar no exame para motorista que, além da prova teórica feita por computador (na qual ele, diferente da irmã gêmea, se dá muito mal), inclui um teste prático com um instrutor tão hilário quanto ranzinza (ele manda às favas as normas de trânsito; para ele, Les só passará se ao manobrar o carro não derrubar uma única gota de seu precioso café!).
Como não passou na prova teórica, Les fica sem habilitação –e como tentou omitir isso de seu pai (Richard Masur, engraçadíssimo) e de sua mãe (Carol Kane), ele está de castigo; sem poder colocar o pé para fora de casa que o diga dirigir um carro!
Entretanto, para sua surpresa a própria Mercedes lhe telefona indagando sobre seu encontro (!), e Les tem então um impasse que não demora a se resolver: Ficar em casa onde seus pais dormem alheios a tudo o mais, ou sair furtivamente com o cadilac de seu avô –deixado aos cuidados da família devido a uma viagem ao México –ter um encontro com a garota de seus sonhos e voltar para casa com a possibilidade de fingir para os pais que nada aconteceu?
Na habilidade insuspeita que muitos artesãos da época (especialmente os que se encarregavam de filmes adolescentes) tinham para elevar situações corriqueiras e banais ao patamar de grandes aventuras, o diretor Greg Beeman conduz com frescor e energia seu protagonista por uma noite tumultuada em que a aflição de manter o carro intocado e livre de indícios de sua escapada se mescla com a empolgação lúdica de estar com  garota que sempre cobiçou.
Desnecessário dizer que o que começa como um encontro inocente e provavelmente agradável ganha ares de pesadelo: Mercedes acaba se embriagando de champagne, o que a leva a dormir dentro do porta-malas quase todo o restante do filme (!!), e Les precisa assim do auxílio da malandragem de seu amigo Dean (Corey Feldman, quem mais?).
Sem sombra de dúvidas nostálgico, “Sem Licença Para Dirigir” ocupa um lugar especial na afeição dos cinéfilos apreciadores das obras comerciais dos anos 1980, embora a despeito de sua ingenuidade, continue um entretenimento tão gracioso e encantador quanto o era em sua época.

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