Beneficiado por toda falta de sutileza que
caracterizou a Nova Hollywood, a produção B “Nasce Um Monstro” (“It’s Alive”,
no original, menção a uma das mais famosas frases do clássico “Frankenstein”,
citado em um monólogo reflexivo) é uma das mais viscerais e aflitivas
realizações sobre o tema da tocofobia (o medo de parir monstruosidades).
O cinema de terror já vinha de um período de
experimentação graças às produtoras inglesas Hammer e Amicus; e o próprio
perfil daqueles anos 1970 de então levava a novas ousadias permitindo que se
aflorassem novas vertentes do gênero como o slasher (o filme de terror de
contagem de corpos, originado, em parte, por Mario Bava), o W.I.P. (Women In
Prison, suspenses grosseiros e fetichistas envolvendo mulheres encarceradas), o
rape and revenge (sobre mulheres violentadas que recorrem à justiça com as
próprias mãos), o sexploitation (uma síntese transgressiva entre o erótico e o
terror), o ozploitation (filmes de terror característicos originados da
Austrália), o nunsploitation (filmes com freiras sempre envolvidas em circunstâncias
sexuais e sanguinolentas), o nazisploitation (muito do agrado de Quentin
Tarantino, as produções acerca dos depravados excessos dos líderes nazistas), o
gore (o terror demasiadamente sangrento e calcado em efeitos de maquiagem, tem
em Lucio Fulci um de seus mestres), o giallo (o suspense erótico, estilizado e
popularesco da Itália), o eco-horror (sobre os animais que voltam sua fúria
contra o ser humano), o carsploitation (sobre mortes provocadas por acidentes
de carro), o canuxploitation (o filme de terror característico do Canadá), o
ciclo canibal (também em geral associado à Itália, sobre as tribos sanguinárias
de canibais) e o blaxploitation (filmes independentes, violentos e ousados
ambientados na comunidade negra), entre outros.
Nessa busca insana por variedade, o roteirista,
produtor e diretor Larry Cohen saiu-se com a história de um bebê-monstro
mutante!
Prestes a ter seu segundo filho, o casal Frank
(o ótimo John P. Ryan) e Lenore Davies (Sharon Farrell) ruma numa madrugada
para o hospital. Lá, após o trabalho de parto, algo inusitado e aterrador
acontece: O recém-nascido ataca –e mata –toda a equipe médica (!) e desaparece,
deixando para trás apenas a mãe, perplexa e desorientada.
Despido de subterfúgios, o filme de Cohen é
assim enxuto e direto (sequer se preocupa muito em fornecer alguma explicação
para o origem do monstro, sugerindo, aqui e ali, mutações químicas provocadas,
talvez, por poluentes ou por medicamentos duvidosos): Concentra-se no terror
cru e implacável dos ataques do bebê monstruoso –que parece dar preferência à
transeuntes e entregadores de leite –e frequentemente volta sua atenção para os
procedimentos sempre obtusos e infrutíferos das forças policiais.
Nesse aspecto, o filme lança certa luz ao drama
quando vislumbramos todo o peso que recai sobre a vida de Frank, o pai, que,
por ter uma criança-monstro (como é alardeado sem o menor tato pela imprensa
marron), perde o seu emprego e vê sua relação com a esposa e o filho mais
velho, desestabilizada, além da mescla angustiante de vergonha e culpa pelas
mortes que vão se somando.
Claro que, nos adjetivos que reúne, o filme de
Cohen pode ser visto de forma involuntariamente cômica por muitos consumidores
mais jovens do gênero que não levarem em conta a passagem do tempo e as
características mais específicas da época em que foi produzido, no entanto,
“Nasce Um Monstro” conta com o teor pertinente de crítica social que Larry
Cohen atribui a seus trabalhos, uma trilha sonora sempre impecável do grande
Bernard Herrmann (outrora colaborador de Alfred Hitchcock, seu último trabalho
foi a trilha de “Taxi Driver”, lançado no ano seguinte, 1975) e com efeitos
especiais e de maquiagem a cargo do premiado Rick Baker (“Um Lobisomem AmericanoEm Londres”), embora, a narrativa, numa manobra que amplia a tensão e a aflição
do expectador, mantenha o bebê-monstro sempre nas sombras, sem que seja
possível vislumbrá-lo com mais clareza e detalhes –em parte, por conta das
restrições orçamentárias também.
“Nasce Um Monstro” –cujo
desfecho amarra com propriedade admirável suas duas inclinações principais ao
macabro e ao dramático –foi o primeiro de uma trilogia cujos demais capítulos
se converteram cada vez mais à uma mescla ácida e sombria de humor (também essa
uma tendência do gênero), e rendeu uma refilmagem em 2009, intitulada “Anjo
Maldito” aqui no Brasil –e apesar de seus esforços mais expressivos de
produção, bem menos eficaz que o filme original.
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