sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Lua de Cristal

Após vários sucessos de bilheteria em conjunto com os Trapalhões, e depois de provar que podia segurar um êxito nos cinemas sozinha, com “Super Xuxa Contra Baixo-Astral”, a apresentadora infantil Xuxa Meneghel aventurou-se naquela que talvez seja sua mais ambiciosa –por assim dizer –incursão no cinema: “Lua de Cristal” ostentava o nome de Tizuka Yamazaki na direção (cujo “Gaijin-Caminhos da Liberdade” havia surpreendido em alguns festivais pelo mundo naquele final de anos 1980, começo dos 90), e o seu enredo, numa pegada mais infanto-juvenil do que simplesmente infantil, arriscava um afastamento da fantasia para investir numa história que era uma mescla de vários clichês de contos de fadas (a família má e opressora ao estilo ‘gata borralheira’; o príncipe encantado; o sapatinho –ou melhor, tênis! –perdido) com uma narrativa convencional e brasileira de êxodo rural.
Adotando seu nome verdadeiro para a protagonista, Xuxa vive Maria da Graça, uma jovem pra lá de ingênua vinda do interior com o sonho de tornar-se uma grande estrela na metrópole –ou algo assim...
Ela é hospedada no luxuoso apartamento de parentes que, seguindo à risca as obviedades esperadas, são inverossivelmente perversos, egoístas e mesquinhos: Sua tia Zuleika (Marilu Bueno. Insuportavelmente histriônica), sídica do prédio tem o hedonismo e os arroubos de histeria das bruxas más (e o figurino para combinar!); sua prima, Cidinha (Julia Lemmertz, usando uma peruca estilo Louise Brooks), na implicância constante e injustificada traz uma das mais rasas vilanias já vistas no cinema; e seu primo Mauricinho (Avelar Love, do grupo oitentista “João Penca e Seus Miquinhos Amestrados”...) é uma espécie de rebelde que só pensa em anarquizar e assediar a recém-chegada.
Ao mesmo tempo em que tenta se estabelecer nesse disfuncional seio familiar –nele servindo mais como empregada doméstica na maior parte do tempo –Maria da Graça obtém amigos que a auxiliam, como a pequena e engenhosa Maria Eduarda (Duda Little, uma criança-prodígio do período), seus colegas da aula de canto (que correspondem aos Paquitos e Paquitas, os assistentes de palco de Xuxa em seu show televisivo) e o apaixonado Bob, interpretado pelo alucinado Sergio Mallandro que, embora não leve o menor jeito para ser príncipe encantado com seu humor algo escrachado, assim se revela num determinado trecho da história; difícil dizer, contudo, se a cena em que Maria da Graça tira seus óculos, e por um instante quase o reconhece como o príncipe dos seus sonhos, é realmente uma referência a uma cena parecidíssima de “Superman-O Filme”.
Aproveitando certa beleza pitoresca no cenário do Bairro da Tijuca daqueles tempos, a narrativa que Tizuka Yamazaki emprega aqui, sem maiores polimentos (provavelmente diante da displicência para com o público infantil) segue por duas vertentes: Na primeira, um pouco mais admirável, segue uma linha realista, intrigante para um filme de faixa etária tão baixa, mas que não deixa de ter lá suas intervenções romantizadas –caso das sequências musicais que ocasionalmente aparecem; na segunda vertente, o filme se afirma (com alguma timidez) uma fantasia urbana a partir de um sonho da protagonista, logo no começo, onde seu futuro professor de canto (Rubens Corrêa) lhe diz, em tom melodramático e superficial que existem criaturas mágicas que vivem nas cidades –e como o filme deixa sem maiores aprofundamentos alguns desses elementos, devemos supor que todos os coadjuvantes ‘do bem’ que Maria da Graça encontra em sua jornada são assim essas criaturas.
De uma vibração mais séria do que “Super Xuxa Contra Baixo-Astral” –o que para uns significa mais qualidade, e para outros menos graça –“Lua de Cristal” é uma obra que se sustenta no carisma de Xuxa Meneghel, uma presença (não uma atriz, veja bem!) realmente capaz de enternecer e cativar, mesmo que não lhe faltem ocasiões constrangedoras, momentos absolutamente sem pé nem cabeça, sequência grosseiras (a cola colocada no vaso sanitária de Tia Zuleika que a faz ficar com seu traseiro grudado), cenas incabíveis (num dado momento, num filme infanto-juvenil, veja bem, vemos uma cena sensual de banho de banheira da protagonista!) e passagens completamente vazias de significado.
Uma obra cheia de non sense, pieguice e absurdo, bem típicos dos anos 1980 em geral e do cinema nacional em particular, que apesar de tudo deve constar na memória afetiva de alguns expectadores que foram criança (e apaixonados pela Xuxa) naqueles tempos inusitados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário