Após vários sucessos de bilheteria em conjunto
com os Trapalhões, e depois de provar que podia segurar um êxito nos cinemas
sozinha, com “Super Xuxa Contra Baixo-Astral”, a apresentadora infantil Xuxa
Meneghel aventurou-se naquela que talvez seja sua mais ambiciosa –por assim
dizer –incursão no cinema: “Lua de Cristal” ostentava o nome de Tizuka Yamazaki
na direção (cujo “Gaijin-Caminhos da Liberdade” havia surpreendido em alguns
festivais pelo mundo naquele final de anos 1980, começo dos 90), e o seu
enredo, numa pegada mais infanto-juvenil do que simplesmente infantil,
arriscava um afastamento da fantasia para investir numa história que era uma
mescla de vários clichês de contos de fadas (a família má e opressora ao estilo
‘gata borralheira’; o príncipe encantado; o sapatinho –ou melhor, tênis!
–perdido) com uma narrativa convencional e brasileira de êxodo rural.
Adotando seu nome verdadeiro para a
protagonista, Xuxa vive Maria da Graça, uma jovem pra lá de ingênua vinda do
interior com o sonho de tornar-se uma grande estrela na metrópole –ou algo
assim...
Ela é hospedada no luxuoso apartamento de parentes
que, seguindo à risca as obviedades esperadas, são inverossivelmente perversos,
egoístas e mesquinhos: Sua tia Zuleika (Marilu Bueno. Insuportavelmente
histriônica), sídica do prédio tem o hedonismo e os arroubos de histeria das
bruxas más (e o figurino para combinar!); sua prima, Cidinha (Julia Lemmertz,
usando uma peruca estilo Louise Brooks), na implicância constante e
injustificada traz uma das mais rasas vilanias já vistas no cinema; e seu primo
Mauricinho (Avelar Love, do grupo oitentista “João Penca e Seus Miquinhos
Amestrados”...) é uma espécie de rebelde que só pensa em anarquizar e assediar
a recém-chegada.
Ao mesmo tempo em que tenta se estabelecer
nesse disfuncional seio familiar –nele servindo mais como empregada doméstica
na maior parte do tempo –Maria da Graça obtém amigos que a auxiliam, como a
pequena e engenhosa Maria Eduarda (Duda Little, uma criança-prodígio do
período), seus colegas da aula de canto (que correspondem aos Paquitos e
Paquitas, os assistentes de palco de Xuxa em seu show televisivo) e o
apaixonado Bob, interpretado pelo alucinado Sergio Mallandro que, embora não
leve o menor jeito para ser príncipe encantado com seu humor algo escrachado,
assim se revela num determinado trecho da história; difícil dizer, contudo, se
a cena em que Maria da Graça tira seus óculos, e por um instante quase o
reconhece como o príncipe dos seus sonhos, é realmente uma referência a uma
cena parecidíssima de “Superman-O Filme”.
Aproveitando certa beleza pitoresca no cenário
do Bairro da Tijuca daqueles tempos, a narrativa que Tizuka Yamazaki emprega
aqui, sem maiores polimentos (provavelmente diante da displicência para com o
público infantil) segue por duas vertentes: Na primeira, um pouco mais
admirável, segue uma linha realista, intrigante para um filme de faixa etária
tão baixa, mas que não deixa de ter lá suas intervenções romantizadas –caso das
sequências musicais que ocasionalmente aparecem; na segunda vertente, o filme
se afirma (com alguma timidez) uma fantasia urbana a partir de um sonho da
protagonista, logo no começo, onde seu futuro professor de canto (Rubens Corrêa)
lhe diz, em tom melodramático e superficial que existem criaturas mágicas que
vivem nas cidades –e como o filme deixa sem maiores aprofundamentos alguns
desses elementos, devemos supor que todos os coadjuvantes ‘do bem’ que Maria da
Graça encontra em sua jornada são assim essas criaturas.
De uma vibração mais séria do que “Super Xuxa
Contra Baixo-Astral” –o que para uns significa mais qualidade, e para
outros menos graça –“Lua de Cristal” é uma obra que se sustenta no
carisma de Xuxa Meneghel, uma presença (não uma atriz, veja bem!) realmente
capaz de enternecer e cativar, mesmo que não lhe faltem ocasiões
constrangedoras, momentos absolutamente sem pé nem cabeça, sequência grosseiras
(a cola colocada no vaso sanitária de Tia Zuleika que a faz ficar com seu
traseiro grudado), cenas incabíveis (num dado momento, num filme
infanto-juvenil, veja bem, vemos uma cena sensual de banho de banheira da
protagonista!) e passagens completamente vazias de significado.
Uma obra cheia de non sense,
pieguice e absurdo, bem típicos dos anos 1980 em geral e do cinema nacional em
particular, que apesar de tudo deve constar na memória afetiva de alguns
expectadores que foram criança (e apaixonados pela Xuxa) naqueles tempos
inusitados.
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