Não há como determinar o melhor trabalho de
Charles Chaplin dentre tantas obras essenciais ao cinema que ele nos entregou,
no entanto, não restam dúvidas de que o magnífico "O Grande Ditador"
seja o seu maior sucesso de bilheteria.
Profundo apaixonado pela pantomina e pela
linguagem gestual característica do cinema mudo –elementos que permitiram a
criação de seu mais icônico personagem, o vagabundo Carlitos –Chaplin não
arredou o pé e prosseguiu realizando filmes mudos enquanto todos os realizadores
aderiam à nova tecnologia do cinema falado.
“O Grande Ditador” foi o filme através do qual
ele finalmente cedeu –na forma com que se dá a progressão de sua trama (que
Chaplin elaborou em 1939, ainda no início da 2ª Guerra Mundial, antes mesmo da
entrada norte-americana no conflito) é de fato fundamental que a narrativa
viesse a lançar mão de palavras e da oratória.
O protagonista vivido por Chaplin é um soldado
lutando pela nação fictícia de Tomânia (cujas extraordinárias semelhanças com a
Alemanha não são mera coincidência) durante a 1ª Guerra Mundial. Schultz,
vivido por Reginald Gardiner, é outro soldado cuja vida ele vem a salvar,
contudo, o avião onde eles se encontram bate em uma árvore, e o acidente faz
com que o personagem de Chaplin perca sua memória.
Passam-se então vinte anos até que ele
finalmente recupera-se e sai do hospital disposto a retomar sua vida normal
como humilde e pacato dono de uma barbearia situada no gueto judeu de Tomânia.
Entretanto, nesse ínterim, sua nação presenciou
a ascenção de um ditador, o nazista Adenoid Hynkel (novamente Charles Chaplin,
agora numa recriação alusiva à Adolph Hitler), enquanto Schultz, o soldado que
lhe deve a vida agora é um comandante condecorado trabalhando sob as ordens de
Hynkel, cuja injúria anti-semita se intensifica quando tem um empréstimo
recusado por um banqueiro judeu.
Irascível, Hynkel decide invadir e acabar com o
gueto judeu, enquanto o dono da barbearia se apaixona pela filha de seu
vizinho, a jovem Hannah (Paulette Godard, na época esposa do próprio Chaplin).
Schultz, que desde o início se mostrou avesso às
ideias anti-semitas de Hynkel é preso quando se opõe à invasão, porém, ele foge
do campo de concentração em que foi aprisionado e vai parar no gueto, onde
recebe a ajuda do amigo, o dono da barbearia.
Eventualmente, após muitas idas e vindas de
natureza cômica, como é de sua personalidade, a história concebida por Charles
Chaplin haverá de valer-se do detalhe de Hynkel e do humilde dono da barbearia
serem sósias um do outro. E a esse quiproquó, Chaplin acrescenta uma sátira
impiedosa ao fascismo e uma poderosa mensagem humanista em pelo menos duas de
suas mais famosas cenas (ambas presenças quase garantidas entre as mais
antológicas do cinema): Na primeira, indicativa da paródia implacável imaginada
por Chaplin, testemunhamos o ditador Hynkel a brincar com um globo terrestre
inflável e flutuante tal e qual uma criança com um brinquedo numa metáfora
agridoce e singela, preocupada e preocupante sobre as tentações do poder
absoluto.
Já, na segunda, a cena que por fim encerra seu
trabalho, Chaplin mostra porque fez dele sua primeira obra falada ao construir
o que talvez seja o discurso anti-belicista mais emocionante de todo o cinema
–o barbeiro assume o lugar de Hynkel em seu aguardado pronunciamento da
vitória. No entanto, o humilde cidadão fala às massas não com uma previsível
declaração de ódio, mas com uma mensagem de esperança e paz, das poucas capazes
de amolecer o coração do mais duro expectador.
Como a obra-prima que é, “O
Grande Ditador” possui uma cópia preservada pela Biblioteca do Congresso dos
EUA no National Film Registry, e ocupa o 37º lugar como um das melhores
comédias estadunidenses, segundo o American Film Institute.
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