terça-feira, 24 de setembro de 2019

O Grande Ditador

Não há como determinar o melhor trabalho de Charles Chaplin dentre tantas obras essenciais ao cinema que ele nos entregou, no entanto, não restam dúvidas de que o magnífico "O Grande Ditador" seja o seu maior sucesso de bilheteria.
Profundo apaixonado pela pantomina e pela linguagem gestual característica do cinema mudo –elementos que permitiram a criação de seu mais icônico personagem, o vagabundo Carlitos –Chaplin não arredou o pé e prosseguiu realizando filmes mudos enquanto todos os realizadores aderiam à nova tecnologia do cinema falado.
“O Grande Ditador” foi o filme através do qual ele finalmente cedeu –na forma com que se dá a progressão de sua trama (que Chaplin elaborou em 1939, ainda no início da 2ª Guerra Mundial, antes mesmo da entrada norte-americana no conflito) é de fato fundamental que a narrativa viesse a lançar mão de palavras e da oratória.
O protagonista vivido por Chaplin é um soldado lutando pela nação fictícia de Tomânia (cujas extraordinárias semelhanças com a Alemanha não são mera coincidência) durante a 1ª Guerra Mundial. Schultz, vivido por Reginald Gardiner, é outro soldado cuja vida ele vem a salvar, contudo, o avião onde eles se encontram bate em uma árvore, e o acidente faz com que o personagem de Chaplin perca sua memória.
Passam-se então vinte anos até que ele finalmente recupera-se e sai do hospital disposto a retomar sua vida normal como humilde e pacato dono de uma barbearia situada no gueto judeu de Tomânia.
Entretanto, nesse ínterim, sua nação presenciou a ascenção de um ditador, o nazista Adenoid Hynkel (novamente Charles Chaplin, agora numa recriação alusiva à Adolph Hitler), enquanto Schultz, o soldado que lhe deve a vida agora é um comandante condecorado trabalhando sob as ordens de Hynkel, cuja injúria anti-semita se intensifica quando tem um empréstimo recusado por um banqueiro judeu.
Irascível, Hynkel decide invadir e acabar com o gueto judeu, enquanto o dono da barbearia se apaixona pela filha de seu vizinho, a jovem Hannah (Paulette Godard, na época esposa do próprio Chaplin).
Schultz, que desde o início se mostrou avesso às ideias anti-semitas de Hynkel é preso quando se opõe à invasão, porém, ele foge do campo de concentração em que foi aprisionado e vai parar no gueto, onde recebe a ajuda do amigo, o dono da barbearia.
Eventualmente, após muitas idas e vindas de natureza cômica, como é de sua personalidade, a história concebida por Charles Chaplin haverá de valer-se do detalhe de Hynkel e do humilde dono da barbearia serem sósias um do outro. E a esse quiproquó, Chaplin acrescenta uma sátira impiedosa ao fascismo e uma poderosa mensagem humanista em pelo menos duas de suas mais famosas cenas (ambas presenças quase garantidas entre as mais antológicas do cinema): Na primeira, indicativa da paródia implacável imaginada por Chaplin, testemunhamos o ditador Hynkel a brincar com um globo terrestre inflável e flutuante tal e qual uma criança com um brinquedo numa metáfora agridoce e singela, preocupada e preocupante sobre as tentações do poder absoluto.
Já, na segunda, a cena que por fim encerra seu trabalho, Chaplin mostra porque fez dele sua primeira obra falada ao construir o que talvez seja o discurso anti-belicista mais emocionante de todo o cinema –o barbeiro assume o lugar de Hynkel em seu aguardado pronunciamento da vitória. No entanto, o humilde cidadão fala às massas não com uma previsível declaração de ódio, mas com uma mensagem de esperança e paz, das poucas capazes de amolecer o coração do mais duro expectador.
Como a obra-prima que é, “O Grande Ditador” possui uma cópia preservada pela Biblioteca do Congresso dos EUA no National Film Registry, e ocupa o 37º lugar como um das melhores comédias estadunidenses, segundo o American Film Institute.

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