terça-feira, 24 de setembro de 2019

A Garota Ideal

Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2008 (perdendo para “Juno”), este sensível trabalho do diretor Craig Gillespie depende muita mais, em sua inusitada natureza, da competência do ator Ryan Gosling para se fazer plausível.
Depende também de alguma cumplicidade da parte do expectador; uma disposição em abraçar uma ideia bastante absurda. Como recompensa àqueles que fizerem isso, o filme oferece uma visão agridoce sobre as percepções indiretas do relacionamento e, sobretudo, uma tocante amostra de uma pequena, mas, empática comunidade num esforço conjunto para contentar seu membro mais disfuncional.
Lars –que Gosling interpreta com precisão minuciosa e enternecedora –sofre de uma timidez que chega às raias da patologia. Ele não se comunica. Seus parcos relacionamentos íntimos, familiares e profissionais não andam bem: A amorosa cunhada Karin (Emily Mortimer) precisa praticamente imobiliza-lo para convence-lo a jantar com ela e com o irmão (Paul Schneider) e as hesitantes investidas da apaixonada Margo (Kelli Garner) só o deixam ainda mais retraído.
Certo dia, inspirado talvez pelo breve diálogo com um colega do escritório, Lars faz uma encomenda misteriosa e, quando seus familiares menos esperam, chega a eles com a notícia de que apaixonou-se por uma estrangeira. E que ela está hospedada em sua casa.
A surpresa, no entanto, dá lugar ao estarrecimento quando Karin e seu marido descobrem que a tal moça, Bianca, é na verdade uma boneca comprada na internet (!).
Entretanto, todo o comportamento e as reações de Lars para com ela, pressupõe que ela seja alguém real –e tamanha é a autenticidade de sua relação com ela (tornada genuína graças à competência de Ryan Golsing) que ninguém tem coragem de contraria-lo.
Levam-no, no máximo, á uma médica (Patricia Clarkson, também ela excelente); o diagnóstico: Lars sofre de um delírio comportamental e é necessário que ele saia de sua loucura por conta própria, ou seja, até isso acontecer (se é que vai acontecer) todos à sua volta devem compactuar com seu devaneio e tratar Bianca como se fosse normal.
O delírio de Lars em torno de sua namorada ideal é elaborado: Ela é cadeirante, o que explica porque tem de carrega-la em todos os lugares. Com ela, Lars vai à igreja, às festas (em sequência primorosamente constrangedoras) e termina interagindo com as pessoas de modo muito mais intenso e satsifatório do que fazia quando era sozinho.
É uma visão tipicamente artística aquela lançada sobre esta premissa –a de que toda uma pequena cidade trabalharia em mutirão para corroborar uma maluquice dessas –a qual certamente não encontraria prosseguimento na cínica vida real. Aqui, quando muito, esse cinismo encontra tímida expressão nas injúrias ocasionais (e gradativamente mais brandas) do irmão de Lars.
É intenção do roteiro e da direção, entretanto que, ao fim, haja uma percepção geral do quão importante em termos existenciais foi Bianca na vida de Lars e, por consequência, na vida de todos que o cercavam e o queriam bem –e tal percepção, no desfecho radicalmnte simbólico, pode ser visto como um exagero por alguns expectadores, e como uma demonstração de convicção inabalável dos realizadores por outros.
Há que se reconhecer aqui o mérito de terem feito um filme muito simpático amparado num conceito dificílimo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário