segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O Cavaleiro Solitário

A paixão pelo faroeste já aparecia em inúmeros trabalhos anteriores do diretor Gore Verbinski –no tratamento dado a algumas cenas muito referenciais em “Piratas do Caribe”, ou na animação “Rango” –todavia, foi aqui, nesta imodesta adaptação de um herói já famoso no rádio, em seriados de matinê e desenhos animados (e frequentemente confundido com o “Zorro”), que Verbinski pôde escancarar sua predileção realizando um faroeste legítimo.
De quebra, levou o astro Johnny Depp para incorporar o papel do índio Tonto –escalação que converteu o que seria apenas o ‘parceiro do herói’ num protagonista de tanto peso (ou até mais!) quanto o personagem-título.
E é Johnny Depp, ou melhor, Tonto quem de fato começa o filme, mostrado numa São Francisco dos anos 1930 –quando ainda era possível se cruzar, em pleno Século XX, com alguém que testemunhou os eventos do Velho Oeste. É isso que experimenta um garotinho ao deparar-se com um Tonto todo envelhecido –numa homenagem clara à “Pequeno Grande Homem” –que relata a ele o início de sua lendária parceria com o Cavaleiro Solitário.
Ou seria melhor dizer, John Reid (vivido com bastante competência e noção de seu papel secundário por Armie Hammer), um advogado que regressa para a Califórnia onde se estabeleceu seu irmão Dan Reid (James Bagde Dale) com quem pretende se juntar.
Dan é casado com a bela Rebecca (Ruth Wilson), que nutre uma paixão secreta por John (e que nutre uma paixão secreta por ela também), e eis aí outra homenagem de Verbinski: Ao clássico “Rastros de Ódio” cuja premissa é engatilhada também por um caso de amor não correspondido entre o protagonista e sua cunhada.
Assaltado o trem onde estão John e o índio Tonto –aprisionado pelos homens brancos –o homem da lei Dan, no encalço de criminosos de intenções ainda nebulosas acaba morrendo vítima de uma cilada.
A mesma cilada da qual John escapa com vida quase que por um milagre –na verdade, Tonto crê que foi um milagre mesmo, executado pelo lendário ‘Cavalo Espiritual’ que teria escolhido John para traze-lo de volta dos mortos e torna-lo seu justiceiro, ou algo assim...
A parceria (hesitante como rege a cartilha das produções hollywoodianas) é assim estabelecida e o filme de Verbinski segue, manhoso, por sua trama rocambolesca: Embora no final das contas sua estrutura seja definida pela luta básica do bem contra o mal, o roteiro (escrito por Ted Elliott e Terry Rossio, os mesmos de “Piratas do Caribe”) é tão cheio de desvios e ganchos subentendidos que as motivações e propósitos nele embutidos quase se perdem –especialmente devido à decisão bastante dispersa de desenvolver a trama a partir de dois núcleos diferentes de vilões.
Não ajuda também o fato das intenções do filme se mostrarem indecisas entre a racionalidade de uma crítica social histórica (com uma tentativa de denúncia da barbárie contra os indígenas em cenas mais violentas do que se poderia esperar) e o apelo comercial de uma produção escapista (onde entram, por sua vez, humor pastelão, piadinhas corriqueiras, sequências mirabolantes e aventura de desenho animado).
A arrematar essa mescla desigual temos o primor visual característico de Gore Verbinski (no qual ele é reconhecidamente craque) e duas espetaculares cenas de ação envolvendo trens –uma no começo, outra no final –tradição da Velha Hollywood que Verbinski faz questão de retomar com todos os efeitos especiais de última geração a que se tem direito.
Ao tentar mirar num sucesso de proporção e estilo similar ao seu “Piratas do Caribe”, Gore Verbinski e seu astro Johnny Depp fazem demais com seu faroeste referencial, deixando-o com uma identidade indefinida e um resultado incompleto ainda que tenha lá a sua diversão.

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