sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Bar Esperança - O Último Que Fecha

Na época de seu lançamento em meados dos anos 1980, este “Bar Esperança” chamou certa atenção do público por trazer, numa cena bem gratuita, a nudez de uma das estrelas da televisão de então, a belíssima atriz Sílvia Bandeira.
No entanto, há outros predicados a serem vistos em “Bar Esperança”, dirigido por Hugo Carvana, muito mais conhecido pelo público por seu longevo trabalho como ator, mas também um diretor de cinema ativo tendo realizado trabalhos como “Vai Trabalhar, Vagabundo” ou os mais recentes “Casa da Mãe Joana” e “Não Se Preocupe, Nada Vai Dar Certo”.
Ao contemplar os títulos de sua filmografia podemos perceber que Carvana tem um particular apreço por comédias prolixas de humor ingênuo, de preferência povoadas de um elenco diversificado e descontraído. Não poderia haver uma definição melhor que essa para “Bar Esperança”. O local que leva o título do filme é um boteco localizado no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, que reúne em suas noites uma coleção de personagens boêmios, intelectuais e artistas, ora nostálgicos, ora desiludidos, todos eles às voltas com suas próprias insatisfações urbanas.
São criaturas que comparecem naquele ponto religiosamente ao fim do expediente e início da noite para rever os amigos e se embriagar em reminiscências (o tom saudosista parece ser o propósito maior de sua narrativa). Entre seus numerosos personagens, o roteiro ‘pesca’ dois deles e os alça ligeiramente ao posto protagonista: O casal formado pela atriz Ana (vivida por uma baita atriz, Marília Pêra) e o dramaturgo Zeca (o próprio Hugo Carvana).
Ana e Zeca formam o casal típico de uma comédia com objetivos românticos –vivem brigando no promessa subliminar de que também se amam. Ela carrega a frustração de amargar um ingrato papel de vilã numa novela; ele também se vê insatisfeito precisando escrever material de qualidade para o veículo pagante disponível –a TV que dele exige o que ele chama de ‘lixo para entorpecer a cabeça da classe média’.
A diferença entre os dois –e estopim para suas desavenças –é que Ana, lembrando dos filhos que precisa criar, se resigna ao ofício indesejado; já, Zeca, esquerdista de botequim, pede a demissão quando não suporta mais a mediocridade que lhe é imposta –ele agora quer escrever o que considera ser a verdadeira arte. Essa indiferença dele para com tudo o mais leva Ana a separar-se; embora, deveras, eles fiquem se encontrando a toda hora dentro do Bar Esperança. Outro casal que se destaca é formado por Cabelinho (o ótimo Paulo Cesar Pereio) e Cotinha (Sílvia Bandeira, esplêndida), também eles às rusgas frequentes devido ao incorrigível hábito dele embriagar-se quase toda noite (afinal, todo bar tem isso...).
Cotinha lhe dá um ultimato: A próxima vez que Cabelinho se embebedar, ela irá tirar a roupa em pleno bar (!) na frente de todos os seus amigos –e eis que, lá pelas tantas, sem levar à sério as ameaças da mulher, Cabelinho realmente se embriaga, o que proporciona ao filme a cena de striptease de Sílvia que eu falei lá em cima, sequência esta que representa uma maneira do diretor Carvana não afastar tanto assim seu filme do que era a produção comercial brasileira de então com suas bem-sucedidas pornochanchadas; e que terminou sendo também a cena pela qual, com o transcorrer dos anos, o filme passou mais a ser lembrado.
Na tentativa de desvencilhar-se de alguma banalidade, a trama de “Bar Esperança” engata, num determinado ponto, uma marcha mais solícita, algo ideológica quando o estimado barzinho sofre ameaça de ser demolido para dar lugar à construção de um edifício. Algo que termina juntando seus frequentadores num objetivo comum e unificador; diante disso, as brigas entre Ana e Zeca já não importam, os atritos entre Cotinha e Cabelinho já são águas passadas e as demais encrencas superficiais e discussões momentâneas flagradas no primeiro terço de filme se dissolvem na amizade que todos compartilharam dentro daquele local que haverão de se mover para proteger.
A ideia de “Bar Esperança” ocorreu a Hugo Carvana já durante o término de seu exílio, quando recebeu, em 1979, junto de vários outros amigos artistas, a anistia, e iniciou os preparativos para regressar ao Brasil –de repente, reencontrar amigos de longa data e compartilhar recordações nostálgicas numa mesa de bar havia se tornado uma espécie de rotina que ele não tardou a almejar, reproduzir e depositar tudo em um filme para ver como ficava.
“Bar Esperança” é, pois, sobre isso: O desejo de Hugo Carvana em compartilhar com o público essas impressões singulares e agridoces que ele próprio experimentou, despido de panfletagens mais contundentes na medida do possível –embora ainda haja uma sutil alfinetada ao regime militar no breve trecho em que um grupo de personagens envolvidos numa peça de teatro em meio aos índios mato-grossenses simplesmente some.
Quando reaparecem, já no desfecho, eles são recebidos com uma festa de intensidade carnavalesca, algo bem de acordo com o filme: Uma tentativa de encapsular uma dose homeopática de realidade numa receita transbordante (ainda que imperfeita) de humor leve e terna malícia.

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