quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Inocente Mordida

Existe uma certa contradição na fusão entre o ritmo ágil e divertido e o conceito incontornavelmente macabro de filme de terror presente na premissa do oitentista “Um Lobisomem Americano Em Londres” –ainda assim, tal contradição não se reverteu, no resultado final, em prejuízo para o filme: Tão memorável “Lobisomem Americano” é, e tão bem executadas foram suas facetas técnicas e artísticas que o filme logo tornou-se uma referência inconteste do gênero; além de conquistar um merecido Oscar de Melhor Maquiagem.
Exatos onze anos depois, em 1992, o mesmo diretor John Landis logrou uma realização parecida, desta vez, adentrando o terreno dos filmes de vampiros.
E o resultado de “Inocente Mordida”, embora não guarde a mesma ressonância para com a cultura pop, é igualmente inspirado. Landis prova não ser um diretor restringido aos aspectos banais da comédia ao iniciar seu filme com um travelling de câmera magnífico sobre a cidade de Nova York, e contrapô-lo, no instante seguinte, ao intimismo de um quarto de hotel ocupado pela nudez de sua deliciosa protagonista, Marie, vivida pela pra lá de charmosa Anne Parillaud (a estrela francesa de “Nikita”).
Narrando o filme em off, e por conta disso, expressando com freqüência seus pensamentos, descobrimos logo ali que Marie é uma vampira que tem lá os seus escrúpulos: Em sua rotina noturna de sair à procura de sangue, ela prioriza as pessoas más, aquelas que relativamente merecem morrer.
Certamente, em sua mira está, portanto, o sanguinário gangster Sal Macelli (Robert Loggia, esbaldando-se no papel) que tem ocupado as manchetes de jornais com seu comportamento criminoso e prepotente.
Infiltrado na quadrilha de Macelli está o policial Joe Gennaro (Anthony LaPlagia, de “Annabelle 2”) cuja identidade está por um triz de ser descoberta pelos mafiosos –ou seja, ele tem pouco tempo para incriminar e prender Macelli. Todavia, seus planos são frustrados indiretamente pela própria Marie: Ao atacar, primeiramente, um dos comparsas de Macelli (Chazz Palminteri), Marie acaba revelando Gennaro que é exposto como tira na cena do crime e vira inimigo nº 1 da quadrilha de Macelli.
Marie é uma vampira orientada por regras muito específicas: Procura nunca descuidar-se em seus ataques, por exemplo, nem deixar vestígios, garantindo que suas vítimas aparentem ter morrido de alguma outra razão que não uma mordida de vampiro.
É irônico, portanto, que quando enfim consegue atacar Macelli, ela não consiga finalizar o ato, tendo que fugir às pressas: Porque Macelli, com um arma escondida, conseguiu lhe acertar um tiro, e porque um dos homens dele se achava lá para protegê-lo.
O que se segue então é que Macelli, mais tarde, dentro do próprio necrotério para onde é levado, revive como vampiro, com todas as habilidades, poderes e sede de sangue inerentes às criaturas da noite. Une-se, como se diz, a fome com a vontade de comer: Se Macelli antes já era instável e ameaçador para todos à sua volta, a transformação em vampiro só o potencializa como um vilão de perigo impronunciável; e na consciência dessa nova e poderosa condição, Macelli já quer converter todos os seus subordinados em vampiros também!
Ciente do tremendo deslize que cometeu, Marie corre para consertá-lo; tenta, de todas as maneiras matar Macelli, antes que ele crie mais e mais vampiros. Auxiliando-a (ou, pelo menos, a tentando entender o papel dela nesse tumulto) está Gennaro que, ao longo dos dias e noites nos quais precisam rastrear o mafioso-vampiro, não deixa de ser seduzido pela atraente Marie.
Diferente de “Lobisomem Americano”, aqui, o diretor Landis trabalhava uma categoria de filmes de terror (os vampiros) com uma infinidade muito maior de clássicos a serem abordados, revistos ou reinventados –e para tanto, são inúmeras as cenas em que flagramos personagens assistindo pela TV algumas obras marcantes sobre o tema, como produções da Hammer, com Christopher Lee e Peter Cushing, “Drácula”, de Todd Browning, e muitos outros –o que explica o fato de “Inocente Mordida” não ser hoje assim tão conhecido, ainda que possa tranquilamente constar numa lista dos melhores filmes de vampiro dos anos 1990, ao lado do originalíssimo “O Vício”, de Abel Ferrara.
Seja por seu ritmo vertiginoso e envolvente, seja por seu admirável aparato técnico, por sua protagonista maravilhosa (pouco sabemos de Marie, mas graças ao carisma de Anne Parillaud, torcemos por ela sem pestanejar!) ou pelas pontas vibrantes e divertidas de grandes diretores do gênero como Sam Raimi, Tom Savini, Dario Argento e Frank Oz, o filme de John Landis é uma verdadeira pérola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário