terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Cinema Paradiso

Em “Amarcord”, de Fellini, tem-se uma constante e renovada impressão de que os dramas e alegrias relatados em episódios do filme giram em torno da sala de cinema –há, pelo menos, duas cenas que se mantêm irreprimíveis na memória, acabado o filme.
São essas as mesmas considerações que Giussepe Tornatore traz para “Cinema Paradiso” que logrou, ainda no finalzinho dos anos 1980, resgatar uma verve de ‘obra representativa da nostalgia’ para o seu tempo, assim como “Amarcord o havia sido de modo tão marcante na década anterior.
Ao receber a notícia de que o projecionista do cinema de sua cidade natal morrera, o cineasta Salvatore (Jacques Perin, o garoto de “A Moça Com A Valise”) –com efeito, um protagonista que é também alter-ego do diretor Giuseppe Tornatore –regressa para a Sicília, lugar que não visita desde os tempos de juventude.
Junto com o maduro personagem principal, regressam também suas memórias e o filme se encarrega então dessas reminiscências: Ainda garoto, Salvatore (vivido então pelo pequeno e fascinante Salvatore Cascio), a quem todos chamavam de Totó, conquistou a inesperada amizade de Alfredo (Philip Noiret, descomunal), o ranzinza, porém terno encarregado do cinema local.
Inicialmente relutante à ideia de ter um garotinho tão pequeno em sua cabine de projeção –ambiente que encantava Totó –o projecionista Alfredo cede aos apelos do pequeno quando este o ajuda a passar numa prova acadêmica para obter o diploma (!).
Já fica aí, patente, o registro carinhoso e emotivo de passagens do cotidiano executado por Tornatore: Ao lado de Alfredo, o pequeno Totó vive momentos alegres e trágicos, irônicos e marcantes, sempre com a sala de cinema, os filmes e expectadores a servir de pano de fundo. Como quando, numa ocasião –com a sala de cinema abarrotada e pessoas lá fora implorando por uma oportunidade de assistir ao concorrido filme lá dentro –Alfredo tem a ideia de desviar o facho de projeção para a parede de um prédio da praça central; possibilitando assim que todos os assistissem.
É quando ocorre também um incêndio –os celulóides de então eram facilmente inflamáveis! –que deixa Alfredo cego (!) e devasta toda a sala de cinema. Todavia, o morador da cidade que tempos antes havia ganhado na loteria resolve restaurar o cinema, pólo de felicidade e satisfação de toda comunidade. E quem ele emprega como projecionista? O pequeno Totó, que exerce essa função até a juventude (quando é então interpretado por Marco Leonardi) e não só já ensaia suas próprias tentativas de fazer filmes, como também encontra uma paixão; a bela Elena (Agnese Nano), filha de um ricaço local.
O romance, como era de se presumir, não é visto com bons olhos pelo pai da garota, e Totó perde o contato com ela quando ingressa no serviço militar. Com essa idade, os conselhos de Alfredo mudam: Ele almeja a grandeza para Totó, e compreende que ela se encontra longe daquela pequena cidade onde ele cresceu. Properar, e tornar-se alguém, significa, portanto, romper os laços com o passado.
O filme engata uma marcha melancólica em seu trecho final, com o Totó de Jacques Perin regressando à sua cidade-natal, trinta anos depois para o funeral e enterro do grande amigo, e reencontrando rostos (agora envelhecidos) que tanto significaram em sua infância e juventude.
O desfecho reserva a ele uma última lembrança de Alfredo, bem como uma das emoções mais arrebatadoras do cinema –tão mais intensa devido à inestimável contribuição da linda e inebriante trilha sonora de Ennio Morricone.
É uma belíssima homenagem do diretor Giussepe Tornatore ao cinema de formas muito mais diversas do que se pode imaginar: Ao cinema enquanto experiência de infância (as quais, mostradas no filme de fato soam muito pessoais), ao cinema enquanto catalizador de transformações culturais, assim como ao cinema italiano que perdeu-se no tempo, e cujo ápice há muito já havia se passado, e que aqui Tornatore faz um comovente esforço para resgatar, neste trabalho extremamente louvado no final da década de 1980 e início da de 1990.

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