terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Frozen 2

O sucesso tem dessas consequências: Embora nitidamente concebido como uma história única, com começo, meio e fim muito bem estipulados –e encarado até com certa indiferença inicialmente por seus realizadores –“Frozen” conquistou um êxito de público e crítica sem precedentes entre as animações dos estúdios Disney (já habituados ao sucesso).
O resultado inevitável foi o início dos planos para a continuação –e olha que quando se falava em dar sequência a um grande clássico animado da Disney isso sempre se dava em condições desfavorecidas: Obras como “Aladdin”, “O Rei Leão”, “Pocahontas”, “Mulan” e outros, ganharam, sim, continuações, porém, todas realizadas diretamente para o homevideo e não para o cinema, e todas encarregadas por equipes secundárias, incapazes de reprisar a qualidade dos filmes originais.
Esse certamente não foi o caso de “Frozen 2”
Realizado pelos mesmos Jennifer Lee e Chris Buck que converteram a trama de disfunção familiar inspirada em “A Rainha da Neve”, de Hans Christian Andersen, do primeiro filme, numa sucessão de momentos antológicos e cheios de encanto, este “Frozen 2” se esforça para não parecer a continuação despida de naturalidade que é –e o talento dos envolvidos garante a manutenção dessa ilusão durante grande parte do tempo.
Passados aproximadamente três anos após os eventos do “Frozen” original –período durante o qual a Disney entregou dois curta-metragens (“Frozen Fever-Febre Congelante” e “Frozen-Uma Aventura de Olaf”) para manter os personagens frescos na memória do público –encontramos as irmãs Elsa e Anna administrando com harmonia seu reino, Arendelle.
Tanta harmonia que o maior contratempo aí registrado é o esforço sempre atrapalhado do apaixonado Kristoff em pedir a mão de Anna em casamento; o que, num dado momento, finalmente rende uma canção para o personagem, ausente de uma música para si no primeiro filme.
Contudo, Elsa tem sido perturbada por uma voz espectral que somente ela pode ouvir –e essa voz é tanto um chamado (em direção à lendária Floresta Northuldra, encerrada numa impenetrável neblina, segundo uma história que elas ouviram de sua mãe quando crianças) quanto também uma advertência (de que as forças mágicas, as mesmas que de alguma forma conferem o poder congelante à Elsa, irão ameaçar Arendelle).
É com insuspeita inteligência, pois, que se constrói a premissa deste segundo filme: Lançando luz com naturalidade à elementos que se mantiveram obscuros e intrigantes no primeiro filme, sobretudo, a origem dos poderes de Elsa e a atitude algo omissa de seus pais, o rei e a rainha, em relação à eles.
O roteiro molda essa trama na estrutura de uma jornada de descoberta e amadurecimento, não deixando de apresentar a mesma dinâmica curiosa ocorrida antes; quando, ao mesmo tempo que Elsa, por uma série de razões, se mostra a personagem mais interessante, é Anna quem acaba posicionada pelas circunstâncias como a protagonista de fato.
Há méritos inquestionáveis neste brilhante trabalho; e que espelham o primor do original: Anna e Elsa não são tratadas com a displicência ou o pedantismo que, em outros tempos, a Disney dedicou às suas assim chamadas princesas; elas são protagonistas com uma trajetória que prescinde de um romance para fazê-la relevante –Anna e Kristoff formam um casal cujos imprevistos românticos ocupam segundo, ou até terceiro plano na trama; enquanto que Elsa, tão central e essencial ao filme que é, sequer tem qualquer interesse amoroso.
Outro espetacular elemento dissonante presente em “Frozen 2” (e infinitamente mais salutar) é uma concepção e consideração impregnada em sua trama a partir de um determinado ponto, de que absolutamente tudo, em algum momento da vida, muda, definha e desvanece, chega, portanto, ao fim. E para ilustrar esse fato, o filme não poupa os expectadores pequenos de testemunhar cenas dramáticas e dolorosas em sua segunda metade –uma lição herdada do genial Hayao Miyazaki e seu Studo Ghibli onde fica patente que o crescimento e o amadurecimento são imposições da vida que veem atreladas à necessidade do desapego e à aceitação de transformações irreversíveis.
Se há algo que tira um pouco do brilho de “Frozen 2” é sua vontade irônica e irreprimível de brilhar: O culto ao primeiro “Frozen”, às suas cenas e à já clássica canção “Let It Go” foram um fenômeno espontâneo da cultura pop impossível de ser reprisado por mero planejamento. É por isso que canções, sequências e ideias ocasionadas neste segundo filme soam menos naturais e mais afligidas por um empenho em recriar uma certa magia da qual o primeiro filme foi favorecido.
O fato de tentar com tanto afinco drena desta segunda obra um pouco da inocência que tornava “Frozen” tão memorável, mas isso não significa que não tenha, também ela, os seus momentos antológicos e encantadores para oferecer ao público.

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