O sucesso tem dessas consequências: Embora
nitidamente concebido como uma história única, com começo, meio e fim muito bem
estipulados –e encarado até com certa indiferença inicialmente por seus
realizadores –“Frozen” conquistou um êxito de público e crítica sem precedentes
entre as animações dos estúdios Disney (já habituados ao sucesso).
O resultado inevitável foi o início dos planos
para a continuação –e olha que quando se falava em dar sequência a um grande
clássico animado da Disney isso sempre se dava em condições desfavorecidas:
Obras como “Aladdin”, “O Rei Leão”, “Pocahontas”, “Mulan” e outros, ganharam,
sim, continuações, porém, todas realizadas diretamente para o homevideo e não
para o cinema, e todas encarregadas por equipes secundárias, incapazes de
reprisar a qualidade dos filmes originais.
Esse certamente não foi o caso de “Frozen 2”
Realizado pelos mesmos Jennifer Lee e Chris
Buck que converteram a trama de disfunção familiar inspirada em “A Rainha da
Neve”, de Hans Christian Andersen, do primeiro filme, numa sucessão de momentos
antológicos e cheios de encanto, este “Frozen 2” se esforça para não parecer a
continuação despida de naturalidade que é –e o talento dos envolvidos garante a
manutenção dessa ilusão durante grande parte do tempo.
Passados aproximadamente três anos após os
eventos do “Frozen” original –período durante o qual a Disney entregou dois
curta-metragens (“Frozen Fever-Febre Congelante” e “Frozen-Uma Aventura de
Olaf”) para manter os personagens frescos na memória do público –encontramos as
irmãs Elsa e Anna administrando com harmonia seu reino, Arendelle.
Tanta harmonia que o maior contratempo aí
registrado é o esforço sempre atrapalhado do apaixonado Kristoff em pedir a mão
de Anna em casamento; o que, num dado momento, finalmente rende uma canção para
o personagem, ausente de uma música para si no primeiro filme.
Contudo, Elsa tem sido perturbada por uma voz
espectral que somente ela pode ouvir –e essa voz é tanto um chamado (em direção
à lendária Floresta Northuldra, encerrada numa impenetrável neblina, segundo
uma história que elas ouviram de sua mãe quando crianças) quanto também uma
advertência (de que as forças mágicas, as mesmas que de alguma forma conferem o
poder congelante à Elsa, irão ameaçar Arendelle).
É com insuspeita inteligência, pois, que se
constrói a premissa deste segundo filme: Lançando luz com naturalidade à
elementos que se mantiveram obscuros e intrigantes no primeiro filme,
sobretudo, a origem dos poderes de Elsa e a atitude algo omissa de seus pais, o
rei e a rainha, em relação à eles.
O roteiro molda essa trama na estrutura de uma
jornada de descoberta e amadurecimento, não deixando de apresentar a mesma
dinâmica curiosa ocorrida antes; quando, ao mesmo tempo que Elsa, por uma série
de razões, se mostra a personagem mais interessante, é Anna quem acaba
posicionada pelas circunstâncias como a protagonista de fato.
Há méritos inquestionáveis neste brilhante
trabalho; e que espelham o primor do original: Anna e Elsa não são tratadas com
a displicência ou o pedantismo que, em outros tempos, a Disney dedicou às suas
assim chamadas princesas; elas são protagonistas com uma trajetória que
prescinde de um romance para fazê-la relevante –Anna e Kristoff formam um casal
cujos imprevistos românticos ocupam segundo, ou até terceiro plano na trama;
enquanto que Elsa, tão central e essencial ao filme que é, sequer tem qualquer
interesse amoroso.
Outro espetacular elemento dissonante presente
em “Frozen 2” (e infinitamente mais salutar) é uma concepção e consideração impregnada
em sua trama a partir de um determinado ponto, de que absolutamente tudo, em
algum momento da vida, muda, definha e desvanece, chega, portanto, ao fim. E
para ilustrar esse fato, o filme não poupa os expectadores pequenos de
testemunhar cenas dramáticas e dolorosas em sua segunda metade –uma lição
herdada do genial Hayao Miyazaki e seu Studo Ghibli onde fica patente que o
crescimento e o amadurecimento são imposições da vida que veem atreladas à
necessidade do desapego e à aceitação de transformações irreversíveis.
Se há algo que tira um pouco do brilho de
“Frozen 2” é sua vontade irônica e irreprimível de brilhar: O culto ao primeiro
“Frozen”, às suas cenas e à já clássica canção “Let It Go” foram um fenômeno
espontâneo da cultura pop impossível de ser reprisado por mero planejamento. É
por isso que canções, sequências e ideias ocasionadas neste segundo filme soam
menos naturais e mais afligidas por um empenho em recriar uma certa magia da
qual o primeiro filme foi favorecido.
O fato de tentar com tanto
afinco drena desta segunda obra um pouco da inocência que tornava “Frozen” tão
memorável, mas isso não significa que não tenha, também ela, os seus momentos
antológicos e encantadores para oferecer ao público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário