O diretor Lael Rodrigues idealizou uma espécie
de trilogia que abarcasse juventude e música, da qual “Bete Balanço”, de 1984,
é seu exemplar mais consistente e bem-sucedido –os outros são “Rock Estrela”,
de 1986 (por sua vez adaptado da canção de Leo Jaime, do grupo João Penca e
Seus Miquinhos Amestrados) e “Radio Pirata”, de 1987 (inspirado na música do
grupo RPM, de Paulo Ricardo).
“Bete Balanço”, como até quem jamais viu o
filme deve saber, parte da música composta por Cazuza ainda no Barão Vermelho
–todos os membros do conjunto fazem uma ponta interpretando a si mesmos –e
conta a história de uma jovem moradora de Governador Valadares, Minas Gerais (vivida
com carisma inconteste por Débora Bloch).
Do alto de seus dezoito anos, Bete tem sonhos
que elevam suas expectativas além de sua cidadezinha monótona, de seu namoro
tedioso, e do vestibular que a coloca na rota de uma vida banal e comum. Bete
sonha em ser uma estrela do rock.
Assim, ela parte para o Rio de Janeiro onde
termina se hospedando na casa de Paulinho (Diogo Vilela), e dá início a uma
rotina obstinada para encontrar um meio de sustentar-se.
Não é fácil: Em vez de aproximar-se de suas
ambições, Bete coleciona desilusões.
A sequência na qual ela faz um ensaio fotográfico
onde são feitas referências à Marilyn Monroe é antológica, cheia de
sensualidade e atitude, merecidamente um dos trechos mais famosos do trabalho
de Lael Rodrigues.
Na forma com que dá corpo dramático à premissa
básica assim esboçada já na letra da canção, não deixa de ser curioso perceber,
através do filme, que Bete Balanço é, na verdade, uma espécie de alter-ego do
próprio Cazuza.
Meio que como forma de aproximar o filme dessa
relação –a do artista criador que se confunde com a personagem criada –a
escolha inicial do diretor Rodrigues para o papel era a vocalista do Kib
Abelha, Paula Toller, que recusou o convite (provavelmente devido às cenas de
nudez). Sem problema: A forma com que Débora Bloch (alçada ao estrelado com
este trabalho) incorpora a protagonista é de tal forma convicta, memorável e
apaixonante que é quase impossível imaginar outra no lugar dela.
Claro que, em determinado ponto, o filme de
Rodrigues alberga os convencionalismos das obras juvenis de então com a
providencial relação amorosa de natureza politizada –um verniz de cunho
sócio-político –quando, já no limiar do desespero e da falta de grana, Bete
conhece Rodrigo, vivido por Lauro Corona, um dos mais famosos atores da década
de 1980 que, assim como o próprio Cazuza, veio a falecer de AIDS em 1989.
Rodrigo é um fotógrafo inicialmente interessado
por Bete porque ela testemunhou um ato de agressão de militares contra um
menino de rua, no entanto, logo o envolvimento ganha ares já esperados de
romance.
Se existem maiores pretensões de denúncia
social em “Bete Balanço”, elas se perdem na alienação jovem de seus
realizadores de então e na verve discoteque anos 1980 que está impregnada em
cada uma de suas cenas. O quê realmente fez dele um clássico do cinema musical
brasileiro foram outros fatores, como o elenco de apoio (que além de Diogo
Vilela e Lauro Corona, inclui Maria Zilda, Andrea Beltrão, Eleonora Rocha,
Jorge Lafond e Hugo Carvana), e o ineditismo de incluir em sua narrativa
despojada inserções de clipes musicais de artistas famosos do período (como Lobão,
os Titãs, e os hoje pouco conhecidos Manhas e Manias, Banda Brylho e Celso
Blues Boy), para seduzir expectadores interessados em ver seus astros na tela
do cinema –uma prática banalizada em produções que, nas décadas seguintes,
incluíram Os Trapalhões, Xuxa e outras celebridades.
Numa revisão, certamente,
“Bete Balanço” envelheceu mal –seus desenlaces de ordem dramática por vezes
oscilam entre o constrangido e o constrangedor, e seu desfecho particularmente
carece de profundidade –mas, seu valor como registro histórico da década de
1980, um momento precioso para o rock nacional, continua muito mais emblemático
diante de outros similares.
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