segunda-feira, 27 de abril de 2020

Bete Balanço

O diretor Lael Rodrigues idealizou uma espécie de trilogia que abarcasse juventude e música, da qual “Bete Balanço”, de 1984, é seu exemplar mais consistente e bem-sucedido –os outros são “Rock Estrela”, de 1986 (por sua vez adaptado da canção de Leo Jaime, do grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados) e “Radio Pirata”, de 1987 (inspirado na música do grupo RPM, de Paulo Ricardo).
“Bete Balanço”, como até quem jamais viu o filme deve saber, parte da música composta por Cazuza ainda no Barão Vermelho –todos os membros do conjunto fazem uma ponta interpretando a si mesmos –e conta a história de uma jovem moradora de Governador Valadares, Minas Gerais (vivida com carisma inconteste por Débora Bloch).
Do alto de seus dezoito anos, Bete tem sonhos que elevam suas expectativas além de sua cidadezinha monótona, de seu namoro tedioso, e do vestibular que a coloca na rota de uma vida banal e comum. Bete sonha em ser uma estrela do rock.
Assim, ela parte para o Rio de Janeiro onde termina se hospedando na casa de Paulinho (Diogo Vilela), e dá início a uma rotina obstinada para encontrar um meio de sustentar-se.
Não é fácil: Em vez de aproximar-se de suas ambições, Bete coleciona desilusões.
A sequência na qual ela faz um ensaio fotográfico onde são feitas referências à Marilyn Monroe é antológica, cheia de sensualidade e atitude, merecidamente um dos trechos mais famosos do trabalho de Lael Rodrigues.
Na forma com que dá corpo dramático à premissa básica assim esboçada já na letra da canção, não deixa de ser curioso perceber, através do filme, que Bete Balanço é, na verdade, uma espécie de alter-ego do próprio Cazuza.
Meio que como forma de aproximar o filme dessa relação –a do artista criador que se confunde com a personagem criada –a escolha inicial do diretor Rodrigues para o papel era a vocalista do Kib Abelha, Paula Toller, que recusou o convite (provavelmente devido às cenas de nudez). Sem problema: A forma com que Débora Bloch (alçada ao estrelado com este trabalho) incorpora a protagonista é de tal forma convicta, memorável e apaixonante que é quase impossível imaginar outra no lugar dela.
Claro que, em determinado ponto, o filme de Rodrigues alberga os convencionalismos das obras juvenis de então com a providencial relação amorosa de natureza politizada –um verniz de cunho sócio-político –quando, já no limiar do desespero e da falta de grana, Bete conhece Rodrigo, vivido por Lauro Corona, um dos mais famosos atores da década de 1980 que, assim como o próprio Cazuza, veio a falecer de AIDS em 1989.
Rodrigo é um fotógrafo inicialmente interessado por Bete porque ela testemunhou um ato de agressão de militares contra um menino de rua, no entanto, logo o envolvimento ganha ares já esperados de romance.
Se existem maiores pretensões de denúncia social em “Bete Balanço”, elas se perdem na alienação jovem de seus realizadores de então e na verve discoteque anos 1980 que está impregnada em cada uma de suas cenas. O quê realmente fez dele um clássico do cinema musical brasileiro foram outros fatores, como o elenco de apoio (que além de Diogo Vilela e Lauro Corona, inclui Maria Zilda, Andrea Beltrão, Eleonora Rocha, Jorge Lafond e Hugo Carvana), e o ineditismo de incluir em sua narrativa despojada inserções de clipes musicais de artistas famosos do período (como Lobão, os Titãs, e os hoje pouco conhecidos Manhas e Manias, Banda Brylho e Celso Blues Boy), para seduzir expectadores interessados em ver seus astros na tela do cinema –uma prática banalizada em produções que, nas décadas seguintes, incluíram Os Trapalhões, Xuxa e outras celebridades.
Numa revisão, certamente, “Bete Balanço” envelheceu mal –seus desenlaces de ordem dramática por vezes oscilam entre o constrangido e o constrangedor, e seu desfecho particularmente carece de profundidade –mas, seu valor como registro histórico da década de 1980, um momento precioso para o rock nacional, continua muito mais emblemático diante de outros similares.

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