domingo, 26 de abril de 2020

Família do Bagulho - Uma Viagem Muito Louca

Muito bom e muito válido poder conferir filmes de comédia quando eles não mais são realizados.
“Família do Bagulho” nem está tão longe assim no tempo –seu lançamento é de 2013 –mas, ainda assim faz parte de um estilo de filme comercial (a comédia besteirol) que não são mais realizados em função do ‘politicamente correto’, postura que os estúdios hollywoodianos não se atrevem mais a alfinetar.
Na trama construída com a devida superficialidade que atende aos propósitos cômicos –e muito dela em cima do afiado timing cômico de seus astros principais –temos um traficante de meia idade chamado David (Jason Sudeikis, de “Passe Livre”) que, graças a um assalto perde o dinheiro de seu fornecedor de drogas, Brad (vivido com incômoda afetação por Ed Helms, de “Se Beber Não Case”). A dívida pode ser paga com uma simples viagem até o México de onde David pode vir com uma certa quantia de droga –e ainda obter algum lucro.
Em algum momento, ele se dá conta de que a jornada só será realmente perigosa (com a possibilidade de ser parado pela polícia ao cruzar a fronteira) se ele aparentar ser o traficante que é.
Explica-se: Mudando as roupas, o corte de cabelo, e conseguindo a adição de um trailer e um grupo de ‘atores’ que interpretem sua ‘família’, ele pode fazer o trajeto disfarçado de inocente americano em férias, sem levantar suspeitas.
Assim, além de si próprio, David leva Kenny (Will Poulter), seu jovem e ingênuo vizinho, como seu filho; a sem-teto Casey (Emma Roberts) como sua filha; e, a cereja no topo do bolo, a stripper Rose (Jennifer Aniston) como sua esposa. Detalhe: Salvo o inocente Kenny todos eles mal se conhecem –e, no pouco que se conhecem, já se detestam!
É claro que, a partir de um determinado ponto dessa viagem, eles passam a confundir a atuação com a realidade, desenvolvendo laços e admiração genuína entre si –um recurso sentimentalista para levar a trama a evidentemente avançar, mas que, felizmente, não ganha tanta ênfase assim a ponto de comprometer toda a diversão.
Dirigido por Rawson Marshall Thurber, o filme se ampara nesse conceito singelo e non-sense ao extremo para fazer graça –uma fórmula que, por anos, impulsionou comédias no circuito comercial, algumas com notável êxito, outras com lamentável fracasso.
“Família do Bagulho”, no que se pretende, atinge perfeitamente seus objetivos: Se não chega a ser brilhantemente hilariante, consegue ao menos se manter envolvente e entregar com relativa regularidade e ritmo, situações cheias de humor simultaneamente; como o policial mexicano (Luiz Gusman) que se mostra disposto a aceitar uma propina da família; e a longa participação de outra família –esta real! –que resolve acompanhar os protagonistas quando o trailer deles enguiça, formada pela pai (Nick Offerman) –que se revela agente anti-drogas (!) –a mãe (Kathryn Hahn, de “Viajar É Preciso”  e “Um Amor A Cada Esquina” ambos com Aniston) e a bela filha (Molly Quinn, de “João, Maria e A Bruxa da Floresta Negra”), que se engraça com o inexperiente Kenny.
É a senha para um dos momentos mais famosos do filme (um exemplo de seu humor que equilibra tanto gracejo quanto constrangimento): Compadecidas dele, que não sabe nem nunca soube beijar garotas por sua falta de experiência, Rose e Casey (que, veja bem, estão a interpretar sua mãe e sua irmã!) resolvem se revezar para ensiná-lo a beijar na boca –e na empolgação a coisa toda ameaça resvalar na putaria, para o êxtase da assanhada testemunha, David.
Portanto, situações de incesto indireto, sugestões de swing (orgias!), gags envolvendo fetiches, órgãos genitais e outras peculiaridades não são tabus ofensivos o bastante para que os realizadores não extraiam disso uma piada. E isso porque o filme é uma produção de estúdio abertamente comercial (como atestam a presença de Aniston e Sudeikis, astros norte-americanos). A verdade era que havia essa saudável insolência para com assuntos delicados que agregava inspiração aos artistas, sobretudo, do humor; hoje em dia, essa liberdade já não existe mais –num mundo dominado pela vigilância das redes sociais, onde ninguém se surpreende com nada, mas todo mundo se ofende com tudo, comédias descompromissadas e ácidas já não encontram mais seu lugar nem seu público.
Que pena.

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