terça-feira, 5 de novembro de 2019

Viajar É Preciso

Desde a revelação em “Ligeiramente Grávidos” e “ Virgem de 40 Anos”, de tempos em tempos aparece nas telas de cinema um filme realizado pela turma de Judd Apatow (não necessariamente dirigido por ele, mas as vezes, somente produzido como é o caso deste) que, construído naquele senso de humor muito peculiar e norte-americano, obtém notável êxito de crítica, ainda que lá no fundo não seja exatamente um grande filme.
“Wanderlust” –ou “Viajar É Preciso” –sofre de inúmeros problemas, mas o pior deles é certamente trazer um humor dificilmente acessível ao público brasileiro; prova disso foi a recepção indiferente que o filme teve, seja nos cinemas, seja em homevideo.
Ambos curiosamente oriundos da série televisiva “Friends”, Jennifer Aniston e Paul Rudd (ela, uma das protagonistas da série; ele, uma participação que com o tempo tornou-se fixa; ambos também fizeram dupla num filme dos anos 1990 chamado “A Razão do Meu Afeto”) vivem o casal Linda e George Gengerblatt cujos sonhos capitalistas de ascender no mundo moderno encontram seguidos contratempos: Compram um pequeno apartamento em Nova York, no qual não faz mais sentido morarem depois que George perde o emprego e Linda tem frustrada uma de suas inúmeras tentativas de emplacar uma meta profissional.
Para piorar as perspectivas, George tem um irmão insuportável, Rick (Ken Marino), que só fala impropérios e grosserias, e esfrega na cara do irmão sua cômoda e confortável situação financeira.
Ainda assim, é para a casa do irmão de George (morador de Atlanta) que ele e Linda vão quando as coisas dão errado. No meio do longo caminho, acomedida de uma súbita injúria de viajar, Linda acaba insistindo para ela e George se hospedarem numa pousada. Terminam, porém, passando a noite numa acomodação habitada por hippies (!).
A filosofia alternativa de vida deles, sem intervenções da competitiva vida capitalista e com uma bisonha orientação estilo paz & amor, os fascina numa primeira impressão –tanto que George e Linda resolvem voltar para lá quando se dão conta do quão insuportável é a permanência na casa do irmão dele.
Nos dias que se seguem, no entanto, a tal comunidade começa a revelar (sobretudo, para George) suas facetas nem tão charmosas: O líder, Seth (Justin Theroux, de “Cidade dos Sonhos”, casado na vida real com Jennifer Aniston), se mostra um manipulador orquestrando os ditames supostamente pacifistas do grupo a seu favor quando se descobre enamorado de Linda e disposto a minar o casamento dela com George.
Embora a fauna de personagens entusiasmados em sua falta de noção aponte para uma espécie de sátira à contracultura –além de Seth e sua bela e promíscua companheira (Malin Akerman, de “Watchmen”), há o personagem do velho e destrambelhado fundador da comunidade (Alan Alda), o casal multi-racial (formado pelo também diretor Jordan Peele e pela atriz Lauren Ambrose), o naturalista metido a escritor (Joe Lo Truglio), e a ex-atriz pornô convertida em hiponga mala (Kathryn Hahn, de “Um Amor a Cada Esquina”) –não é bem uma sátira que o trabalho do diretor David Wain acaba sendo; em meio aos improvisos cênicos que caracterizam o estilo solto dos trabalhos assinados por Judd Apatow, o que “Wanderlust” termina resultando é numa comédia romântica, onde o registro abilolado da cultura hippie executado insanamente pelos coadjuvantes serve quando muito como um empecilho na descoberta eventual do casal protagonista de que seu amor é, afinal, o mais importante.
Portanto, voluntária ou involuntariamente, existe até uma curiosa reflexão em “Wanderlust”: Os protagonistas inadequados oriundos da vivência urbana levam consigo, no fim das contas, um conceito de paz e amor mais transparente e real do que os melindrosos argumentos que os pseudo-hippies passam o filme todo a teorizar.

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