No fim da década de 1960, o faroeste produzido
nos EUA seguia por um caminho diferente do faroeste produzido na Itália (o
‘western spaghetti’): Enquanto os italianos exploravam a grandiosidade épica,
os duelos mortais e estilizados e a relevância cinematográfica dos valores de
produção em suas realizações, os americanos usavam o gênero como uma forma de
reflexão interior (um tanto quanto inspirados pela postura da contracultura),
num diálogo oposto ao que Hollywood fizera no passado. O chamado faroeste
revisionista.
Com efeito, somente produtores de filmes B e
realizadores jovens se arriscavam a contribuir para o gênero.
Financiado por Roger Corman, o diretor Monte
Hellman entregou naqueles anos de 1966 e 67 alguns títulos que se fizeram marcantes
devido à parceria com o futuro astro Jack Nicholson –que ocasionalmente atuava
também como produtor e roteirista.
“Disparo Para Matar” é a primeira e pra lá de
auspiciosa dessas produções (logo seguido por “A Vingança de Um Pistoleiro”,
naquele mesmo ano).
Nele, Warren Oates surge fabuloso como Will
Gashade, um minerador que regressa depois de um tempo para a mina na qual nutre
uma sociedade com dois companheiros, Coley e Leland.
Ao chegar lá, Gashade encontra o túmulo de
Leland –alguém o matou –e apenas Coley (Will Hutchins) se acha lá contando uma
história das mais mal esclarecidas: Segundo ele, um outro conhecido, Coigne,
apareceu por lá, fugindo, pois ao que tudo indica fez o que não devia.
Após muita conversa levou um cavalo e uma arma
debaixo do nariz do ingênuo Coley. Não muito tempo depois um tiro, vindo não se
sabe de onde, disparado por não se sabe quem, alvejou Leland.
Sob a sensação de insegurança, Gashade e Coley
esperam até que são surpreendidos com a aparição de uma mulher misteriosa
(Millie Perkins, de “A Bruxa Que Veio do Mar”).
Sem dizer seu nome e mantendo uma constante
desconfiança, ela contrata os dois para rastrear alguém que ela almeja muito
perseguir, por motivos que não faz questão alguma de revelar.
O dinheiro convence Gashade a aceitar enquanto
que Coley o faz puramente pelo fato de poder estar na presença de uma mulher
–ainda que arredia ao extremo.
Esses personagens seguem o rastro amparados
nessa premissa bastante básica mas que, por sua ausência de explicações aprofundadas,
torna-se terreno fértil para o suspense. Afinal, quais são os objetivos da
mulher? E que atitude tomará Gashade em relação à tudo isso quando a hora
chegar?
A atmosfera esquenta consideravelmente quando
descobrimos que a mulher tem um aliado que os acompanha a distância, o
ameaçador Billy Spears (Jack Nicholson, sempre magnífico).
Pistoleiro hábil e matador profissional –coisa
que os outros dois não são –Spears acrescenta novas tensões à dinâmica mantida
durante a perseguição: Ele é sinistro, claramente hostil e pouco confiável, e
mesmo que em situação desvantajosa, Gashade e Coley sabem que precisam
encontrar um meio de livrar-se daquela
encrenca em que se meteram.
Filmado com a economia necessária para esse
tipo de produção, o filme de Hellman se permite tirar proveito justamente de
suas simplicidades e limitações, usando do que dispõe em tela para dilatar o
tempo e a expectativa –nesse sentido, o aproveitamento e consequente
desconstrução do diretor em relação aos códigos do faroeste é exemplar (repare
no modo como a personagem de Millie Perkins incorpora uma versão feminina do
‘pistoleiro sem nome’ popularizado por Clint Eastwood), inclusive com
belíssimas panorâmicas a explorar a geografia natural do ambiente para fins de
tensão e suspense tal e qual o fariam John Ford e Anthony Mann.
Contudo, o que remete
“Disparo Para Matar” a uma maior contemporaneidade à que pertence é mesmo seu
desfecho carregado de ambiguidade, simbolismo e alegoria –e enigmático o
suficiente para deixar o expectador bastante intrigado com o que se passou,
muito tempo depois do filme ter terminado.
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