sábado, 25 de abril de 2020

Disparo Para Matar

No fim da década de 1960, o faroeste produzido nos EUA seguia por um caminho diferente do faroeste produzido na Itália (o ‘western spaghetti’): Enquanto os italianos exploravam a grandiosidade épica, os duelos mortais e estilizados e a relevância cinematográfica dos valores de produção em suas realizações, os americanos usavam o gênero como uma forma de reflexão interior (um tanto quanto inspirados pela postura da contracultura), num diálogo oposto ao que Hollywood fizera no passado. O chamado faroeste revisionista.
Com efeito, somente produtores de filmes B e realizadores jovens se arriscavam a contribuir para o gênero.
Financiado por Roger Corman, o diretor Monte Hellman entregou naqueles anos de 1966 e 67 alguns títulos que se fizeram marcantes devido à parceria com o futuro astro Jack Nicholson –que ocasionalmente atuava também como produtor e roteirista.
“Disparo Para Matar” é a primeira e pra lá de auspiciosa dessas produções (logo seguido por “A Vingança de Um Pistoleiro”, naquele mesmo ano).
Nele, Warren Oates surge fabuloso como Will Gashade, um minerador que regressa depois de um tempo para a mina na qual nutre uma sociedade com dois companheiros, Coley e Leland.
Ao chegar lá, Gashade encontra o túmulo de Leland –alguém o matou –e apenas Coley (Will Hutchins) se acha lá contando uma história das mais mal esclarecidas: Segundo ele, um outro conhecido, Coigne, apareceu por lá, fugindo, pois ao que tudo indica fez o que não devia.
Após muita conversa levou um cavalo e uma arma debaixo do nariz do ingênuo Coley. Não muito tempo depois um tiro, vindo não se sabe de onde, disparado por não se sabe quem, alvejou Leland.
Sob a sensação de insegurança, Gashade e Coley esperam até que são surpreendidos com a aparição de uma mulher misteriosa (Millie Perkins, de “A Bruxa Que Veio do Mar”).
Sem dizer seu nome e mantendo uma constante desconfiança, ela contrata os dois para rastrear alguém que ela almeja muito perseguir, por motivos que não faz questão alguma de revelar.
O dinheiro convence Gashade a aceitar enquanto que Coley o faz puramente pelo fato de poder estar na presença de uma mulher –ainda que arredia ao extremo.
Esses personagens seguem o rastro amparados nessa premissa bastante básica mas que, por sua ausência de explicações aprofundadas, torna-se terreno fértil para o suspense. Afinal, quais são os objetivos da mulher? E que atitude tomará Gashade em relação à tudo isso quando a hora chegar?
A atmosfera esquenta consideravelmente quando descobrimos que a mulher tem um aliado que os acompanha a distância, o ameaçador Billy Spears (Jack Nicholson, sempre magnífico).
Pistoleiro hábil e matador profissional –coisa que os outros dois não são –Spears acrescenta novas tensões à dinâmica mantida durante a perseguição: Ele é sinistro, claramente hostil e pouco confiável, e mesmo que em situação desvantajosa, Gashade e Coley sabem que precisam encontrar um meio de livrar-se  daquela encrenca em que se meteram.
Filmado com a economia necessária para esse tipo de produção, o filme de Hellman se permite tirar proveito justamente de suas simplicidades e limitações, usando do que dispõe em tela para dilatar o tempo e a expectativa –nesse sentido, o aproveitamento e consequente desconstrução do diretor em relação aos códigos do faroeste é exemplar (repare no modo como a personagem de Millie Perkins incorpora uma versão feminina do ‘pistoleiro sem nome’ popularizado por Clint Eastwood), inclusive com belíssimas panorâmicas a explorar a geografia natural do ambiente para fins de tensão e suspense tal e qual o fariam John Ford e Anthony Mann.
Contudo, o que remete “Disparo Para Matar” a uma maior contemporaneidade à que pertence é mesmo seu desfecho carregado de ambiguidade, simbolismo e alegoria –e enigmático o suficiente para deixar o expectador bastante intrigado com o que se passou, muito tempo depois do filme ter terminado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário