Deveras não deixava de ser intrigante a
iniciativa do diretor Nicolas Roeg –então confinado em obras televisivas
menores depois de uma gloriosa carreira cinematográfica nos anos 1970 e um
desigual tentativa de manter seu nível de qualidade nos anos 1980 –em adaptar o
livro “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, em um longa-metragem, tendo ele
sido aproveitado em partes no seminal “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola
que contextualizou sua premissa na Guerra do Vietnam.
O objetivo de Roeg, financiado pela rede de
televisão TNT que exibiu o filme em 1993, era conceber uma adaptação mais fiel
e literal do livro, preservando seus detalhes e convidando o expectador a
saborear a reflexão perene e a qualidade intrínseca do material criado por
Conrad e publicado em 1899.
A trama assim mostra os percalços rudimentares
e imersos em precariedade com que aventureiros tentavam a sorte na África em
meados do Século XIX durante a colonização britânica. Um desses homens é Marlow
(Tim Roth) cuja instrução mais recente é a de subir um rio quase inexplorado no
Congo a fim de negociar marfim com os nativos a mando de uma empresa de
comércio inglesa.
Marlow tem a rudeza dos homens talhados para
adentrar territórios desconhecidos, porém, a medida que sua jornada o leva cada
vez mais para o âmago daquele mundo selvagem, mais e mais ele ouve falar de um
indivíduo lendário: Kurtz.
Vivido com ênfase destemida na desfavorável
comparação com Marlon Brando por John Malkovich, Kurtz –cuja inspiração Conrad
teria baseado no brutal colonizador belga Léon Rom –havia sido um dos
encarregados de dirigir a exploração do marfim no mais longínquo e impensável
posto da empresa (algo no qual Marlow enxerga plena identificação), entretanto,
se outrora era tido por alguém de intelecto privilegiado, desde então Kurtz
enlouquecera, e desaparecera em algum lugar da selva onde passou a ser
endeusado por nativos.
Marlow cria para si mesmo uma série de
pretextos e subterfúgios com os quais ele justifica uma incursão, sua e de sua
tripulação, naquele rio que, ele espera, o conduzirá até Kurtz e até o mistério
que esclarece como um homem terminou, para muito além de qualquer conceito de
civilização, criando um império pessoal como sustentação para a própria
loucura.
Certamente, o grande calcanhar de Aquiles da
realização de Roeg é a lembrança insolúvel da obra monumental de Coppola, com o
qual este filme modesto, obscuro e singelo não tem condições de ser comparado
–curiosamente, “Apocalypse Now” não vem a ser a primeira adaptação da obra de
Conrad: Houve uma outra versão, também ela televisiva, em 1958, estrelada por
Boris Karloff, integrando os episódios da antologia “Playhouse 90”.
De uma verve alegórica e
filosófica tão contundente quanto de Coppola, o diretor Nicolas Roeg trabalha o
ritmo e a atmosfera de sua humilde produção perseguindo o clima de imersão
encontrado no livro e destacando os questionamentos em torno da insanidade
dentro de todos nós que resultavam no material de Joseph Conrad –no que ele tem
perfeito suporte nas sempre impecáveis atuações de Tim Roth e, em especial,
John Malkovich, indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante em Filme
Feito para TV.
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