sábado, 4 de abril de 2020

Jackass Apresenta Vovô Sem Vergonha

“Jackass” nasceu como um programa humorístico de quadros radicais na MTV –a frase “As cenas deste filme foram feitas por profissionais, você e seus amigos idiotas não tentem repeti-las em casa” ficou famosa durante um bom tempo! Eventualmente, “Jackass” migrou em versões para cinema, em meio às quais identificou-se um sucesso junto ao seu público de “Bad Grandpa”, o quadro onde o protagonista Johnny Knoxville era maquiado (brilhantemente maquiado, diga-se) como um velhinho octogenário que metia-se deliberadamente nas maiores confusões.
Após uma trinca bem-sucedida de longa-metragens para cinema de “Jackass” tornou-se um empecilho para os realizadores a fama e o reconhecimento de Knoxville –o fato do programa depender de flagrantes reais de pessoas comuns nas ruas dependia do detalhe incontornável deles não saberem quem seu personagem principal era (!).
Assim, pareceu inevitável o aproveitamento do conceito do quadro “Bad Grandpa”, ainda que a produção o faça lançando mão de subterfúgios inéditos para o programa “Jackass”.
Há inventividade em “Vovô Sem Vergonha”, entretanto, tal inventividade está oculta atrás de uma muralha de escracho, escatologia e humor politicamente incorreto, tornando um bocado possível passar despercebido do público.
Idealizado pelo autoral e conceituado Spike Jonze (que atua como produtor e argumentista) e dirigido por Jeff Tremaine (presente em todas as realizações anteriores, de TV ou cinema, de “Jackass”) “Vovô Sem Vergonha” parte do princípio inédito de que tudo, desta vez, é uma ficção –afinal, há personagens sendo interpretados por seus atores –e, portanto, segue uma certa linha narrativa. Só isso já distingue “Vovô Sem Vergonha” de todas as obras “Jackass” que sempre se amparavam em quadros que lembravam mais uma versão extrema das “pegadinhas”.
Assim, Knoxville é Irving, um idoso de 86 anos que perdeu a esposa recentemente. Ele tem um neto de oito anos, Billy (o notável Jackson Nicoll) cuja mãe (Catherine Keener), tão viciada em drogas quanto traficante, o deixa aos cuidados do velho para evitar a prisão. Irving não deseja cuidar de uma criança diante de sua recém-conquistada liberdade –ele comemora o óbito da esposa como quem acerta na loteria! –e assim empreende uma viagem pelas cidades americanas até encontrar o pai dele para poder deixar Billy aos seus cuidados.
Essa trama, algo básica, serve aos propósitos da produção que idealiza cenas escrachadas desenvolvidas ao longo da grande viagem do avô e do neto, em meio à qual eles protagonizam cenas absolutamente inacreditáveis. Numa sacada parecida com o igualmente inacreditável “Borat”, os protagonistas em cena são os únicos seres fictícios da situação, todos os outros ‘personagens’, por assim dizer, são pessoas reais eventualmente presentes nos locais reais onde a cena se sucedeu –e, entre outras coisas, as câmeras arrojadas da produção capturam suas reações assombradas diante das presepadas que se sucedem.
E os realizadores, de fato, não mediram esforços para que os segmentos que compõem “Vovô Sem Vergonha” fossem antológicos: Desde as primeiras cenas (Billy na sala de espera de um consultório relatando inocentemente os vícios chocantes da mãe; Irving num hospital recebendo a notícia do falecimento e reagindo de forma festiva) até os momentos que se seguem avançando a trama adiante (o velório da esposa, com pessoas reais; os funcionários de mudança contratados para carregar o cadáver da mulher; e todas as maluquices que se seguem estrada afora), “Vovô Sem Vergonha” confronta o expectador com um humor implacável e alucinado.
Algumas cenas, a despeito do nível extravagante de vergonha alheia e sarcasmo irrestrito, impressionam pela maneira estupenda com que são elaboradas –é o caso da sequência do pênis preso numa máquina de refrigerante (!!); da cama eletrônica dobrável; da boate de stripper masculino, da desastrosa competição de peidos (!!!) dentro de uma lanchonete, do desfecho, num bar de motoqueiros que atuam como assistentes sociais e, logo depois, num concurso de beleza mirim.
“Vovô Sem Vergonha” não poupa nada, nem ninguém de seu humor insano e desavergonhado. Seus detratores podem apontar, com muita razão, o mau gosto indiscutível presente em cada uma das ações de seu depravado protagonista, mas em sua sinceridade criativa ele se vale justamente disso para encontrar graça nas reações verdadeiras de seu vasto leque de incautos coadjuvantes colhidos da realidade.
Digam o que quiserem de seu humor de porta de banheiro e da bizarrice assumida de seu conceito, mas ele não deixa de ser um dos filmes mais engraçados dos últimos anos.

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