segunda-feira, 25 de maio de 2020

As Férias do Sr. Hulot

O primeiro de quatro filmes que Jacques Tati estrelou e dirigiu no papel que o fez famoso, esta comédia francesa revelou-se, dentre todos, uma realização que ele não conseguiu deixar de lado: Ao longo dos anos, Tati editou e reeditou o material, dando-lhe novas versões até que o resultado se aproximasse do que tinha em mente.
“As Férias do Sr. Hulot” não é um filme mudo –como atestam a trilha sonora de frescor e espontaneidade etérea, os murmúrios corriqueiros e o desenho de som evocativo para o clima litorâneo –mas, poderia ser. Na condução que determina às cenas, Tati remove qualquer necessidade de compreensão atrelada ao que se ouve, tornando as desengonçadas aventuras de seu protagonista um entretenimento essencialmente visual.
Remetendo a uma pantomina característica de Charles Chaplin e, sobretudo, de Buster Keaton, em trejeitos marcantes como o andar de punhos fechados, ligeiramente inclinado para frente, pernas esticadas e chapéu enterrado na cabeça, o Sr. Hulot de Tati chega à um resort à beira-mar no balneário francês de Saint-Marc-sur-Mer onde almeja passar as suas férias de verão.
E assim, o que se segue não obedece um fio narrativo, por assim dizer, mas sim uma sucessão de gags, mais ou menos protagonizadas por esse personagem e pelos animadamente perplexos coadjuvantes que o cercam: As entradas e saídas de cena, todas temperadas por uma charmosa hesitação cavalheiresca e, não raro, acompanhadas e alguma pequena trapalhada; os atendentes do Hotel de La Plage (onde grande parte do filme se passa) e suas expressões constantes de perplexidade; o mal-entendido do fotógrafo inocente confundido com um voyeur desavergonhado, seguido da confusão da lata de tinta que o mar insiste em trocar de lugar; a cena com o cavalo arredio, o aristocrata trancado dentro do assento embutido no carro e o puxa-puxa que escorre pelo carrinho abandonado; os quadros desalinhados que o protagonista insiste em tentar arrumar sem notar que é ele próprio quem os desalinha; o calhambeque barulhento do Sr. Hulot cujo estepe, quando ele tenta trocar próximo à um enterro fúnebre, termina confundido com uma guirlanda (!); as luzes da fachada do hotel que sempre se acendem sistematicamente à noite ao menor sinal de tumulto; e a divertida bagunça proporcionada pelo acendimento acidental de um balde de fogos de artifício.
Se há uma tentativa de conferir algum enredo aos encadeamentos dos acontecimentos, ela aparece na não muito elaborada tentativa de criar um pequeno arco romântico envolvendo Hulot e uma das jovens frequentadoras do hotel, entretanto, essa pequena sub-trama (se é que pode ser chamada assim) se dispersa com frequência em meio ao gracejo geral e descompromissado, surgindo tão destoante que, em algum momento, Tati deve ter compreendido a necessidade de não enfatizá-la na narrativa.
Essa habilidade no entendimento do que rege o apelo popular em qualquer sequência é o grande achado de Tati, que ele exerce amparando suas cenas em elementos triviais, mas plenamente autênticos e vívidos, como os olhares de distintas reações flagrados nos rituais do cotidiano, a postura e a etiqueta a serem adotadas (ou não) durante um jantar ou um café da manhã coletivo, e a intensidade, a quantidade e a qualidade de cumprimentos a serem empregados ao entrar e sair de qualquer lugar.

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