O primeiro de quatro filmes que Jacques Tati
estrelou e dirigiu no papel que o fez famoso, esta comédia francesa revelou-se,
dentre todos, uma realização que ele não conseguiu deixar de lado: Ao longo dos
anos, Tati editou e reeditou o material, dando-lhe novas versões até que o
resultado se aproximasse do que tinha em mente.
“As Férias do Sr. Hulot” não é um filme mudo
–como atestam a trilha sonora de frescor e espontaneidade etérea, os murmúrios
corriqueiros e o desenho de som evocativo para o clima litorâneo –mas, poderia
ser. Na condução que determina às cenas, Tati remove qualquer necessidade de
compreensão atrelada ao que se ouve, tornando as desengonçadas aventuras de seu
protagonista um entretenimento essencialmente visual.
Remetendo a uma pantomina característica de
Charles Chaplin e, sobretudo, de Buster Keaton, em trejeitos marcantes como o
andar de punhos fechados, ligeiramente inclinado para frente, pernas esticadas
e chapéu enterrado na cabeça, o Sr. Hulot de Tati chega à um resort à beira-mar
no balneário francês de Saint-Marc-sur-Mer onde almeja passar as suas férias de
verão.
E assim, o que se segue não obedece um fio
narrativo, por assim dizer, mas sim uma sucessão de gags, mais ou menos
protagonizadas por esse personagem e pelos animadamente perplexos coadjuvantes
que o cercam: As entradas e saídas de cena, todas temperadas por uma charmosa hesitação
cavalheiresca e, não raro, acompanhadas e alguma pequena trapalhada; os
atendentes do Hotel de La Plage (onde grande parte do filme se passa) e suas
expressões constantes de perplexidade; o mal-entendido do fotógrafo inocente
confundido com um voyeur desavergonhado, seguido da confusão da lata de tinta
que o mar insiste em trocar de lugar; a cena com o cavalo arredio, o aristocrata
trancado dentro do assento embutido no carro e o puxa-puxa que escorre pelo
carrinho abandonado; os quadros desalinhados que o protagonista insiste em
tentar arrumar sem notar que é ele próprio quem os desalinha; o calhambeque
barulhento do Sr. Hulot cujo estepe, quando ele tenta trocar próximo à um
enterro fúnebre, termina confundido com uma guirlanda (!); as luzes da fachada
do hotel que sempre se acendem sistematicamente à noite ao menor sinal de
tumulto; e a divertida bagunça proporcionada pelo acendimento acidental de um
balde de fogos de artifício.
Se há uma tentativa de conferir algum enredo
aos encadeamentos dos acontecimentos, ela aparece na não muito elaborada
tentativa de criar um pequeno arco romântico envolvendo Hulot e uma das jovens
frequentadoras do hotel, entretanto, essa pequena sub-trama (se é que pode ser
chamada assim) se dispersa com frequência em meio ao gracejo geral e
descompromissado, surgindo tão destoante que, em algum momento, Tati deve ter
compreendido a necessidade de não enfatizá-la na narrativa.
Essa habilidade no entendimento
do que rege o apelo popular em qualquer sequência é o grande achado de Tati,
que ele exerce amparando suas cenas em elementos triviais, mas plenamente
autênticos e vívidos, como os olhares de distintas reações flagrados nos
rituais do cotidiano, a postura e a etiqueta a serem adotadas (ou não) durante
um jantar ou um café da manhã coletivo, e a intensidade, a quantidade e a
qualidade de cumprimentos a serem empregados ao entrar e sair de qualquer lugar.
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