sábado, 23 de maio de 2020

Cecil Bem Demente

Primeiro nome à frente das transgressões perpetradas pelo cinema americano independente nos anos 1970 e 80 (com obras trash e contraventoras como “Pink Flamingos”, de 1972, “Polyester”, de 1981 e “Hairspray-E Éramos Todos Jovens”, de 1988), o diretor John Walters se tornou ligeiramente moderado com a ascensão de realizadores de um cinema bem mais agressivos nas últimas décadas –e que, sob muitos aspectos, ele próprio ajudou a inspirar.
Lançado no ano 2000, “Cecil Bem Demente” é um trabalho que justapõe o estilo intencionalmente chocante de John Walters à uma espécie de redundância com a qual ele correu o risco de ser relacionado, moldando uma trama repleta de paralelos perceptíveis somente para aqueles que enxergarem além de sua muralha de non-sense.
Em Baltimore, a cidade-cenário de todos os filmes de Walters, uma improvável estréia de um blockbuster traz para o lugar a estrela da produção, Honey Whitlock (Melanie Griffith) que, no minimalismo de seu estereótipo, é uma celebridade toda gentil e amável com a massas, mas grosseira e rude com os indivíduos.
Aqui e ali, as câmeras de Walters vão flagrando outros personagens coadjuvantes ao redor dela, deixando bem claro que algum tipo de plano subversivo está em progresso.
Com efeito, durante seu discurso que antecipa a apresentação do filme, Honey é sequestrada num ato terrorista. Contudo, mais tarde, no cativeiro, ela descobre que seus sequestradores tem intenções inusitadas: São todos membros do elenco e da equipe liderada pelo insano diretor Cecil Bem Demente (Stephen Dorf) que, levando a expressão ‘filmagem de guerrilha’ ao pé da letra, resolve rodar seu filme –uma obra sobre a revolta armada contra o sistema dos estúdios hollywoodianos –tendo por protagonista sua estrela-refém, e com as cenas de seu roteiro executadas em locais reais.
Leia-se, o cinema (exibindo a comédia “Patch Adams”) que eles invadem e explodem é um cinema de verdade; os expectadores que eles afrontam, são pessoas que realmente estavam na plateia; os executivos de Hollywood que eles atacam durante uma conferência para uma superprodução, são produtores de estúdios de fato, representantes do cinema comercial que eles abertamente querem confrontar.
Com essa premissa contaminada por seu estilo caótico e caricato, Walters expõe os antagonismos histriônicos entre os extremos distintos do cinema –a arte e a indústria –convertendo todos os personagens no ápice da paródia a que se propõem, e encontrando nessa dinâmica tresloucada uma empatia que somente seu público específico será capaz de apreciar: Ao seu jeito, Walters vislumbra a redenção de seus intratáveis personagens, evidenciando a gradual metamorfose da própria Honey que, de refém coagida e forçada a atuar no filme de guerrilha, se torna uma adepta da ‘causa’.

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