Primeiro nome à frente das transgressões
perpetradas pelo cinema americano independente nos anos 1970 e 80 (com obras
trash e contraventoras como “Pink Flamingos”, de 1972, “Polyester”, de 1981 e
“Hairspray-E Éramos Todos Jovens”, de 1988), o diretor John Walters se tornou
ligeiramente moderado com a ascensão de realizadores de um cinema bem mais
agressivos nas últimas décadas –e que, sob muitos aspectos, ele próprio ajudou
a inspirar.
Lançado no ano 2000, “Cecil Bem Demente” é um
trabalho que justapõe o estilo intencionalmente chocante de John Walters à uma
espécie de redundância com a qual ele correu o risco de ser relacionado,
moldando uma trama repleta de paralelos perceptíveis somente para aqueles que
enxergarem além de sua muralha de non-sense.
Em Baltimore, a cidade-cenário de todos os
filmes de Walters, uma improvável estréia de um blockbuster traz para o lugar a
estrela da produção, Honey Whitlock (Melanie Griffith) que, no minimalismo de
seu estereótipo, é uma celebridade toda gentil e amável com a massas, mas
grosseira e rude com os indivíduos.
Aqui e ali, as câmeras de Walters vão flagrando
outros personagens coadjuvantes ao redor dela, deixando bem claro que algum
tipo de plano subversivo está em progresso.
Com efeito, durante seu discurso que antecipa a
apresentação do filme, Honey é sequestrada num ato terrorista. Contudo, mais
tarde, no cativeiro, ela descobre que seus sequestradores tem intenções
inusitadas: São todos membros do elenco e da equipe liderada pelo insano diretor
Cecil Bem Demente (Stephen Dorf) que, levando a expressão ‘filmagem de
guerrilha’ ao pé da letra, resolve rodar seu filme –uma obra sobre a revolta
armada contra o sistema dos estúdios hollywoodianos –tendo por protagonista sua
estrela-refém, e com as cenas de seu roteiro executadas em locais reais.
Leia-se, o cinema (exibindo a comédia “Patch
Adams”) que eles invadem e explodem é um cinema de verdade; os expectadores que
eles afrontam, são pessoas que realmente estavam na plateia; os executivos de
Hollywood que eles atacam durante uma conferência para uma superprodução, são
produtores de estúdios de fato, representantes do cinema comercial que eles
abertamente querem confrontar.
Com essa premissa
contaminada por seu estilo caótico e caricato, Walters expõe os antagonismos
histriônicos entre os extremos distintos do cinema –a arte e a indústria
–convertendo todos os personagens no ápice da paródia a que se propõem, e
encontrando nessa dinâmica tresloucada uma empatia que somente seu público
específico será capaz de apreciar: Ao seu jeito, Walters vislumbra a redenção
de seus intratáveis personagens, evidenciando a gradual metamorfose da própria
Honey que, de refém coagida e forçada a atuar no filme de guerrilha, se torna
uma adepta da ‘causa’.
Nenhum comentário:
Postar um comentário