Do conto “A Família dos Wurdulak”, de Aleksey
Konstantinovich Tolstoy, pelo menos duas obras cinematográficas de profundo
cunho macabro foram extraídas, o episódio “O Wurdulak”, de “As Três Máscaras do
Terror”, de Mario Bava, e este “A Noite dos Demônios”, de Giorgi Ferroni.
Diretor do conhecido faroeste spaghetti “O
Dólar Furado”, Ferroni coloca um pouco de tudo em “A Noite dos Demônios”: Há
uma prolongada atmosfera de terror gótico, reflexos condicionados do trash, a
sanguinolência ocasional e súbita do gore, lampejos de psicologia e até algum
erotismo (sobretudo, reservado à cena de delírio no trecho inicial). No
entanto, o manejo experiente e equilibrado dessas facetas termina beneficiando
o filme que se esquiva justamente de algumas obviedades dessas vertentes.
O enquadramento inicial, belíssimo, mostra uma
paisagem bucólica e harmoniosa invadida por um intruso desolado: Nicola (Gianni
Garko, um dos vários atores a encarnar “Sartana”) irrompe da floresta
transtornado e machucado. No hospital psiquiátrico onde o tratam, seu médico
fica intrigado com seu silêncio catatônico e com o temor crônico que ele passa
a demonstrar do escuro e da noite, indicativos de que algo terrível lhe
aconteceu.
De repente, a visita da bela Sdenka (Agostina Belli,
da versão italiana de “Perfume de Mulher”) parece sinalizar com alguma chance,
senão de recuperação de Nicola, ao menos de esclarecimento para o mistério que
o cerca. Nem um, nem outro: Após um surto inesperado de Nicola ao ver Sdenka
–como se dela tivesse pavor incontrolável –ele é encarcerado num quarto com uma
camisa de força, enquanto que ela simplesmente desaparece.
O filme irá revelar aos poucos o que de fato
aconteceu quando a narrativa valer-se de subterfúgios introspectivos para
entrar na própria mente (e nas lembranças) de Nicola –ainda que, com isso, ele
acabe lembrando de cenas nas quais não estava presente; lapsos da escolha
narrativa do roteiro e da direção.
Empresário do ramo madeireiro em peregrinação
pelo interior da Itália onde tinha negócios a tratar, Nicola adentra por uma
pequena estrada quando seu carro se descontrola. Uma mulher apareceu (e
desapareceu) em sua frente, levando-o a bater o automóvel. Com o carro
precisando de reparos e a noite caindo, ele caminha pela floresta em busca de
ajuda.
Acaba encontrando a estranha Família Ciuvelak,
que vinham então do enterro de um de seus membros, morto aparentemente num
episódio violento.
Apesar do comportamento hostil e arredio, eles
recebem Nicola em sua morada no centro escuro e desolado da floresta, e o
instruem a ficar por ali enquanto for noite até o dia raiar.
Trancam todas as portas e janelas. Ignoram todo
e qualquer indício do que possa estar acontecendo do lado de fora. E, ao
perplexo e desinformado Nicola, negam qualquer tipo de explicação.
Dentre os membros dessa família –o patriarca
Gorka (Bill Vanders); o filho mais velho Jovan (Roberto Maldera); o mais jovem
Vlado (Luis Suarez); Sdenka, que a vem a ser a filha; a viúva do falecido,
Helena (Teresa Gimpera); e seus dois filhos pequenos Mira (Sabrina Tamborra) e
Irina (Cinzia de Carolis) –somente Sdenka parece nutrir alguma intenção de
interagir cordialmente com ele; detalhe que mais tarde evoluirá para a atração
física.
Numa narrativa lenta que prioriza o suspense,
mas chega a flertar inúmeras vezes com o enfadonha, o diretor toma algum tempo
para revelar que uma espécie de bruxa (vivida por Maria Monti) ronda a floresta
durante suas noites, sediada nos escombros de uma casa devastada por um
incêndio.
Nos dias em que convive com aquela família de
matutos e seus comportamentos grosseiros (Jovan, por exemplo, resolve desposar
Helena quase a força diante do argumento de que o marido dela, seu tio, está
morto!), Nicola convive também com seus dilemas da existência num recôncavo
assombrado –sem nunca dar à essas assombrações o devido crédito –sobretudo, o
ressentimento de Sdenka em jamais conseguir ir para as cidades. Em uma ocasião,
o velho Gorka resolve dar um basta e fulminar a tal bruxa munido da dita estaca
de madeira no coração –a cena em si transcorre com ênfases elípticas, plantando
dúvidas acerca do que de fato ocorreu.
Ao noite cai, e os demais familiares esperam
pelo pior –exceto Nicola, estóico na postura incrédula do personagem que se acha mais esclarecido do que os outros.
Gorka aparece na casa antes de soar a última
badalada das 6 horas –horário-limite para as criaturas da noite emergirem –e
seus familiares (incluindo Jovan, que já tinha a estaca nas mãos para
fulminá-lo, caso precisasse) lhe dão o benefício da dúvida.
É o início do fim: Antes do sol nascer Gorka
leva a pequena Irina para a floresta e, enquanto todos os outros empreendem uma
busca pela garota, Nicola volta para o vilarejo mais próximo onde tem uma
conversa elucidativa com um ex-policial da região: Segundo ele, a floresta e as
redondezas onde os Ciuvelak moram são assombrados por um wurdulak –uma variação
melancólica e animalesca do vampiro –criatura noturna que se alimenta do sangue
dos entes queridos depois de morta e que singra pela noite como um zumbi.
Quando Nicola retorna para reencontrar Sdenka,
o pior já aconteceu: A garotinha Irina, convertida em wurdulak, conseguiu
atrair sua mãe, Helena, para fora da casa e a mordeu, disseminando o mal. Todos
estão transformados em wurdulak.
E a fuga de Nicola desse pesadelo parece de
fato evocar o cinema mais contemporâneo de George Romero.
Assim, o filme ratifica e
qualifica o tormento experimentado por Nicola até o instante em que, por fim,
foi parar naquele hospital, quando se vê novamente diante de Sdenka –então o
filme de Giorgi Ferroni lança mão de uma ironia cruel reservada para seu
desfecho que o faz, pelo menos nesse término, mais marcante que a obra de Mario
Bava e que o conto literário de Tolstoy.
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