terça-feira, 28 de julho de 2020

Eram Os Deuses Astronautas?

Gênese para muitos programas de teor bem mais apelativo que surgiram depois (e que giravam basicamente em torno da ufologia), o livro de Erich Von Daniken, depois tornado um documentário relativamente lendário nos anos 1970, utiliza um tom ‘new age’ que conquistou de pronto as jovens plateias da contracultura da época, colocando a velha questão acerca da existência ou não de vida inteligente no universo num contexto inédito e interessante: A partir de pesquisas e informações obtidas com esmero aparente, o filme dirigido por Harald D. Reinl levanta a instigante teoria de que as manifestações divinas ocorridas em todo o mundo na Antiguidade, narradas na forma de mitos e milagres que compõem bases religiosas, seriam visitações de seres extraterrestres, tomados pela mentalidade da época, como divindades –quando, na realidade, não passavam de viajantes espaciais, como os próprios seres humanos tentaram nesse sentido se tornar com a Corrida Espacial nos anos 1960 e 70.
O primeiro esforço na tentativa de corroborar essa teoria é mostrar tribos nativas das ilhas do sul do Pacífico que, durante a Segunda Guerra Mundial, entraram pela primeira vez em contato com os homens civilizados, no caso, soldados que por lá se instalaram com seu maquinário bélico por razões estrategistas.
Assombrados pela aparição de seres que desconheciam, munidos de tecnologia superior, os nativos passaram a idolatrar os soldados enquanto aguardavam seu prometido retorno, recriando com palha, graveto e madeira ídolos no formato de seus aviões. É uma cena um tanto interessante, curiosa pelo fato de possuir frágil convicção: Os nativos parecem mais atores previamente orientados (nota-se sua ingênua intenção de ignorar a câmera), seus ídolos são construções precárias e abruptas (parecem erguidos há poucas horas atrás) e seu comportamento exibe dissimulação.
Contudo, o documentário de Reinl vai pouco a pouco munindo o expectador de mais e mais evidências colhidas em todo o mundo acerca de sua linha de pensamento, e a despeito de alguns momentos claudicantes na sua validez (alguns especialistas que comparecem soam canastrões e exibicionistas), a sucessão dessas informações vai tornando sua tese plausível.
Somos levados a observar diversas passagens da própria Bíblia, nas quais aparições celestiais podem ser reinterpretadas, da visão esteticamente religiosa a elas atribuída no relato de suas testemunhas, para perfeitos casos de contatos imediatos em cujas circunstâncias é chamada a atenção para detalhes como a destruição de Sodomo e Gomorra (a narração de uma explosão nuclear) e a descrição dos aspectos desses ‘anjos’ ou ‘santos’ feita em texto ou mesmo em desenhos (e a ênfase em detalhes que hoje seriam invariavelmente relacionados aos astronautas, como as auréolas desenhadas ao redor da cabeça que representariam capacetes espaciais).
A narrativa prossegue saltando para diversas partes do mundo –as espetaculares pirâmides do Egito; as construções preservadas do Império Asteca na América do Sul, as estátuas engimáticas na Ilha de Páscoa –flagrando não apenas seus detalhes individuais e indiscutivelmente impressionantes (como o mistério acerca de como se deu sua impraticável construção, e outros elementos fascinantes), mas também a surpreendente similaridade nas muitas características a definir esses cultos ambientados em locais remotos do planeta uns dos outros –como se, mesmo diante da distância humanamente intransponível, esses povos tivessem sido visitados pelos mesmos seres tomados depois por divindades.
Extasiado com a própria condução, o filme perde a mão nos devaneios visuais quando compromete sua imparcialidade documental ao exagerar no excesso de contemplação às belas paisagens, intercalando isso aos momentos mais informativos quando mostra os primeiros mapas descobertos na Antiguidade (séculos antes de Cristo!) que sugeriam uma elaboração geográfica realizada de cima (!) e muitos outros fatores curiosos, como as linhas de Nazca feitas a milhares de anos nas terras da civilização Inca que, vistas de um aeroplano, revelam desenhos complexos (uma aranha, um pavão, um colibri, uma forma humana!) que só poderiam ser executados e vistos de uma perspectiva aérea (!).
Tal e qual um diretor de ficção melodramática, Haraldo Reinl lança mão desavergonhadamente de recursos narrativos demagógicos, como uma trilha sonora pomposa e envolvente, imagens sedutoras e inquestionável riqueza documental, para ‘vender seu peixe’, fazendo com isso uma obra apetecível, instigante e saborosa –na sua resolução final, entretanto, a narrativa de Reinl cai naquele mesmo impasse de todas as narrativas, ficcionais ou não, que giram em torno da incerta questão extraterrestre: A de que, por mais categóricas que sejam suas certezas, elas sempre vão se descobrir, ao fim, redundantes perante suas dúvidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário