segunda-feira, 27 de julho de 2020

Anjos da Lei

Como tantos seriados de outrora, o policial juvenil dos anos 1980 criado por Stephen J. Cannell e Patrick Hasburgh, “Anjos da Lei”, teve sua eventual transposição para as telas de cinema em 2012.
Contudo, para aqueles que foram conferir o resultado embalados pela nostalgia de ver a mesma mescla de drama adolescente e intriga policial levada à sério na tela grande, a direção nada usual de Phil Lord e Christopher Miller (animadores de “Batman-Lego”) terminou abordando a premissa como aquilo que de fato hoje ela soaria: Uma comédia do absurdo.
Nos anos 1980 –como muitos casos de obras cinematográficas veem corroborar –era motivo de charme estruturar narrativas em torno do improvável das circunstâncias; logo, fazia todo o sentido junto ao período o conceito de policiais infiltrados que, devido à fisionomia juvenil, se passavam por estudantes, enquanto tentavam identificar criminosos em ação por detrás do sistema estudantil. Não à toa, fez muito sucesso –e ainda revelou o astro Johnny Depp que não tardou a migrar para o cinema.
Conscientes da singularidade temática que norteou a cultura pop da década de 1980, os diretores Lord e Miller pegam sua história atual e a ambientam no mesmo universo da série (com direito à uma alucinada participação especial de Depp e seu co-astro Peter DeLuise já perto do final), mas modificam completamente sua abordagem, tornando-a, de certa maneira a razão de ser do projeto: “Anjos da Lei”, o filme, se passa, afinal de contas, numa outra época de “Anjos da Lei”, a série, e é isso que termina por defini-lo.
Quando de fato experimentaram a adolescência nos anos 1980, Schimdt (Johah Hill) e Jenko (Channing Tatum) eram perfeitos opostos: O primeiro, gordinho, nerd e tímido (embora Hill tenha emagrecido consideravelmente em comparação aos seus filmes anteriores); o segundo, fortão, brucutu e sem-noção –e, por isso mesmo, popularíssimo na escola!
Adultos, se reencontraram na Academia de Polícia e descobriram que, em sua amizade recém-descoberta, eram complementares: Jenko passou a ajudar Schmidt nas atividades físicas; Schmidt passou a ajudar Jenko nas atividades intelectuais.
Formados policiais, e já inseparáveis melhores amigos, eles (que sempre foram meio atrapalhados...) acabam sendo enviados para o Programa de Policiais Infiltrados Anjos da Lei, sediado na mesma igreja de fachada da série, endereçada na Rua Jump, nº 21 –“21 Jump Street” título original da série e do filme.
(Repare, entre seus colegas de profissão, a presença de Dakota Johnson, futura estrela de “Cinquenta Tons de Cinza”)
A missão deles é infiltrar-se no círculo de amizade dos traficantes da escola local, entre os quais uma novíssima droga começa a circular, e a partir daí, descobrir quem é o fornecedor.
Contudo, Schimdt e Jenko percebem, já no primeiro dia, que as coisas mudaram bastante desde os tempos em que frequentaram o colégio: Os nerds não são mais os desprezados (alguns deles, pelo menos); os esportistas fortões e burros (dos quais Jenko é exemplo emblemático) já passam longe de serem os mais populares; e o politicamente correto transformou as relações estudantis com a inesperada chegada de uma forte aceitação (agora é inapropriado os alunos resolverem tudo na porrada como antes), as novas tribos (além dos nerds, dos góticos e dos esportistas, agora há também os emos, e os hipsters) e, como consequência disso, uma inversão de valores se acarreta entre os dois protagonistas: Outrora rei da popularidade, agora é Jenko quem tem de se sujeitar à andar com os rejeitados, e é o sensível e sensato Schmidt quem se sobressai na nova ‘cadeia alimentar’ integrando o grupo dos descolados da escola, entre os quais está o traficante local Eric (Dave Franco) e sua namoradinha Molly (uma ainda novinha Brie Larson).
Diante desse curioso paradoxo, os diretores Phil Lord e Chris Miller usam desse novo status quo para fazer graça: “Anjo da Lei” é todo chacota, num nível tão intenso e radical que pode até incomodar os puristas e apreciadores do tom ocasionalmente melodramático que a série original adotava. Eles não estão nem aí!
Essa opção tão irrestrita quanto à reinvenção cômica desse conceito rende alguns momentos hilariantes, e outros presunçosos onde o humor nem sempre soa apropriado ou espontâneo, comprometendo o resultado.
Curiosamente, não acaba sendo Jonah Hill, mais assíduo em obras de comédia, quem se destaca: É o normalmente sisudo Channing Tatum, demonstrando um incrível e inesperado timing cômico quem realmente faz “Anjos da Lei” funcionar.

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