Como tantos seriados de outrora, o policial
juvenil dos anos 1980 criado por Stephen J. Cannell e Patrick Hasburgh, “Anjos
da Lei”, teve sua eventual transposição para as telas de cinema em 2012.
Contudo, para aqueles que foram conferir o
resultado embalados pela nostalgia de ver a mesma mescla de drama adolescente e
intriga policial levada à sério na tela grande, a direção nada usual de Phil
Lord e Christopher Miller (animadores de “Batman-Lego”) terminou abordando a
premissa como aquilo que de fato hoje ela soaria: Uma comédia do absurdo.
Nos anos 1980 –como muitos casos de obras
cinematográficas veem corroborar –era motivo de charme estruturar narrativas em
torno do improvável das circunstâncias; logo, fazia todo o sentido junto ao
período o conceito de policiais infiltrados que, devido à fisionomia juvenil,
se passavam por estudantes, enquanto tentavam identificar criminosos em ação
por detrás do sistema estudantil. Não à toa, fez muito sucesso –e ainda revelou
o astro Johnny Depp que não tardou a migrar para o cinema.
Conscientes da singularidade temática que
norteou a cultura pop da década de 1980, os diretores Lord e Miller pegam sua
história atual e a ambientam no mesmo universo da série (com direito à uma
alucinada participação especial de Depp e seu co-astro Peter DeLuise já perto
do final), mas modificam completamente sua abordagem, tornando-a, de certa
maneira a razão de ser do projeto: “Anjos da Lei”, o filme, se passa, afinal de
contas, numa outra época de “Anjos da Lei”, a série, e é isso que termina por
defini-lo.
Quando de fato experimentaram a adolescência
nos anos 1980, Schimdt (Johah Hill) e Jenko (Channing Tatum) eram perfeitos
opostos: O primeiro, gordinho, nerd e tímido (embora Hill tenha emagrecido
consideravelmente em comparação aos seus filmes anteriores); o segundo, fortão,
brucutu e sem-noção –e, por isso mesmo, popularíssimo na escola!
Adultos, se reencontraram na Academia de
Polícia e descobriram que, em sua amizade recém-descoberta, eram
complementares: Jenko passou a ajudar Schmidt nas atividades físicas; Schmidt
passou a ajudar Jenko nas atividades intelectuais.
Formados policiais, e já inseparáveis melhores
amigos, eles (que sempre foram meio atrapalhados...) acabam sendo enviados para
o Programa de Policiais Infiltrados Anjos da Lei, sediado na mesma igreja de
fachada da série, endereçada na Rua Jump, nº 21 –“21 Jump Street” título
original da série e do filme.
(Repare, entre seus colegas de profissão, a
presença de Dakota Johnson, futura estrela de “Cinquenta Tons de Cinza”)
A missão deles é infiltrar-se no círculo de
amizade dos traficantes da escola local, entre os quais uma novíssima droga
começa a circular, e a partir daí, descobrir quem é o fornecedor.
Contudo, Schimdt e Jenko percebem, já no
primeiro dia, que as coisas mudaram bastante desde os tempos em que
frequentaram o colégio: Os nerds não são mais os desprezados (alguns deles,
pelo menos); os esportistas fortões e burros (dos quais Jenko é exemplo
emblemático) já passam longe de serem os mais populares; e o politicamente
correto transformou as relações estudantis com a inesperada chegada de uma
forte aceitação (agora é inapropriado os alunos resolverem tudo na porrada como
antes), as novas tribos (além dos nerds, dos góticos e dos esportistas, agora
há também os emos, e os hipsters) e, como consequência disso, uma inversão de
valores se acarreta entre os dois protagonistas: Outrora rei da popularidade,
agora é Jenko quem tem de se sujeitar à andar com os rejeitados, e é o sensível
e sensato Schmidt quem se sobressai na nova ‘cadeia alimentar’ integrando o
grupo dos descolados da escola, entre os quais está o traficante local Eric
(Dave Franco) e sua namoradinha Molly (uma ainda novinha Brie Larson).
Diante desse curioso paradoxo, os diretores
Phil Lord e Chris Miller usam desse novo status quo para fazer graça: “Anjo da
Lei” é todo chacota, num nível tão intenso e radical que pode até incomodar os
puristas e apreciadores do tom ocasionalmente melodramático que a série
original adotava. Eles não estão nem aí!
Essa opção tão irrestrita quanto à reinvenção
cômica desse conceito rende alguns momentos hilariantes, e outros presunçosos
onde o humor nem sempre soa apropriado ou espontâneo, comprometendo o
resultado.
Curiosamente, não acaba
sendo Jonah Hill, mais assíduo em obras de comédia, quem se destaca: É o
normalmente sisudo Channing Tatum, demonstrando um incrível e inesperado timing
cômico quem realmente faz “Anjos da Lei” funcionar.
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