quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Dois Loucos Com Sorte

Inicialmente, tem-se a impressão de que a trama de “Dois Loucos Com Sorte” não segue uma orientação específica. A princípio, o que vemos parece ser uma sucessão de gags envolvendo os personagens logo reunidos de Terence Hill e Bud Spencer –e tudo funciona tão à contento que não precisava mais que isso mesmo.
O carisma da dupla segura primorosamente o ritmo do filme, ainda que hajam elogios cabíveis ao diretor Enzo Barboni, que compreende as implicações de sua função, e deixa que seus astros façam seu bom trabalho de sempre.
No ano em que “Dois Loucos Com Sorte” foi lançado (1983), Hill e Spencer eram já uma máquina bem azeitada. Faziam sucesso. Tinham plena consciência do que seu público queria (e não eram interpretações comprometidas, nem trabalhos desafiadores) e eram recompensados com gordas bilheterias por isso.
Se não é o melhor trabalho da dupla, “Dois Loucos Com Sorte” ao menos ilustra perfeitamente a excelência com que sua fórmula poderia ser empregada, rendendo diversão irresistível, inclusive para o lado de lá da câmera: Desde o princípio, parece realmente que os atores estão ali se divertindo a valer com o que fazem.
Hill é Rosco, mostrado como um descolado mochileiro pelas estradas americanas.
Spencer é Doug, cujos longos anos de estadia numa penitenciária acabaram de chegar ao fim.
Não há muitas dissimulações no roteiro: Os dois logo se encontram; num bar de estrada, onde Rosco segue um caminhoneiro inescrupuloso que quase o atropelou e Doug procura se esbaldar com sua liberdade devorando vários hamburgers.
Ao seu jeito sempre divertido, eles puxam briga com os frequentadores do bar, surram todos eles (!), e saem para a estrada a bordo de um dos caminhões.
Mais a frente são parados por dois policias, e terminam enganando eles também –entendeu o porque do formato parecer uma sucessão de gags?
Só depois que os dois recém-tornados companheiros resolvem viajar de avião, os rumos do roteiro parecem adotar um caminho a ser seguido, embora seu norte nunca deixe de ser a presença de seus dois protagonistas em cena: Eles –que olham por cima do ombro toda hora, achando que serão interceptados pela polícia –são confundidos com dois agentes da CIA, e o resultado é uma maleta contendo um milhão de dólares confiada à eles. Dispostos a encontrar um meio de fugir com a grana, eles são abordados em pleno aeroporto por outros agentes e aos poucos são inteirados do quipróquo no qual entraram sem querer: A maleta de dinheiro vem a ser o pagamento antecipado pela dificílima missão que os aguarda (!), e eles seriam os agentes Steinberg e Mason, especialistas em tudo e mais um pouco –certamente algo como duas versões de James Bond da CIA! –cuja incumbência seria ajudar sua divisão de Miami a encontrar um poderoso vilão megalomaníaco a fim de desmascarar e frustrar seus planos.
E assim, nesse gracejo de “007”, o filme vai levando a dupla de situação em situação (há até mesmo uma cena onde um inventor nos moldes de ‘Q’ lhes mostra uma parafernália de traquitanas de usarão ao longo do filme), durante as quais eles logo passam a dominar as circunstâncias baseados em improviso e muita malandragem: São hilários os segmentos constantes e sistemáticos onde seus aliados pedem como favor que não incluam este ou aquele lapso em seus relatórios; e de favor em favor, eles vão ganhando a obsequiosidade de todo mundo (!).
Claro que, na sátira que evoca, o filme vale-se das características mais mirabolantes da série “James Bond” cujo intérprete de então, Roger Moore, contribuía, e muito, para esse tipo de clima brincalhão e fantasioso: Além de nunca ficarmos sabendo do destino dos verdadeiros Mason e Steinberg, os planos do megavilão, por exemplo, incluem explodir um míssil sobre o oceano liberando uma radiação capaz de apagar da mente das pessoas do mundo todo o conceito de numerologia –fazendo com que contas, códigos, senhas, dinheiro e tudo o mais perca o sentido –tornando-o senhor do planeta: Nem numa história em quadrinhos a megalomania seria tanta!

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