Antes de aventurar-se na direção de seus
próprios roteiros, Woody Allen já era um dramaturgo bastante reconhecido nos
palcos nova-iorquinos.
O ‘bichinho do cinema’, como costumam dizer,
provavelmente o mordeu quando trabalhou, como ator principal e roteirista
(adaptando sua própria peça teatral), nesta inspirada comédia de Herbert Ross
que reúne, a rigor, todas as características que o definiriam como realizador:
Uma trama ambientada em Nova York, sobre as neuroses sentimentais e amorosas de
um jovem crítico de cinema muito mais habituado à lidar com as palavras do que
com o trato social humano.
Quando começa o filme, Allan Felix, personagem
de Allen, está assistindo ao clássico “Casablanca” –incrível como o momento
posterior captura brilhantemente o clima de quando saímos de uma sala de cinema
após sermos arrebatados.
“Casablanca” é, não apenas a referência máxima
e primordial de ponta à ponta deste trabalho (seu título original é “Play it
Again, Sam” a famosa e lendária frase atribuída ao protagonista do clássico
que, na realidade, ele jamais chega a dizer no filme!), como também uma espécie
de utopia existencial na mente de Allan; uma trama romântica perfeita, dentro
da qual ele, em sua frustação moderna, gostaria de estar.
A ironia do roteiro primordial de Allen é que
justamente conforme Allan mergulha numa trama com ecos incontestes de “Casablanca”, seus infortúnios
terminam por se intensificar ainda mais: Como no filme de Michael Curtiz, Allan
se apaixona por uma mulher envolvida com outro homem –mulher esta que vem a ser
Linda (Diane Keaton, sensacional), namorada de Dick (Tony Roberts), amigo de
Allan que, juntos, se esforçam para arrancá-lo da solteirice crônica na qual
seu jeito anti-social o está afundando; com resultados tão catastróficos quanto
hilários.
Não só isso, mas o próprio ‘espírito de
Humphrey Bogart’, por assim dizer (encarnado pelo ator Jerry Lacy), também
aparece para oferecer algumas dicas ao avoado protagonista –e alguns desses
conselhos até acabam o empurrando ainda mais para dentro das encrencas do que
lhe tirando delas!
O que Woody Allen e Herbert
Ross fazem aqui, portanto, é mais que uma simples comédia romântica: É uma
declaração de amor a uma obra cinematográfica imortal transmutada num filme
leve, divertidíssimo, dotado de pulsante e incomum inteligência, e também uma
experiência embrionária das características que moldariam um dos grandes
realizadores do cinema norte-americano e do mundo.
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