quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Laurin


 Em princípio, é até difícil dizer do que “Laurin” realmente se trata: É a história de uma menina perseguida por fantasmas? É um drama de época onde os artifícios de terror empregados em sua narrativa visam diferenciar sua abordagem?

Lançado em 1989, “Laurin” não apenas usa de elementos góticos, surreais e estilizados para se tornar bastante único, como também ostenta uma equipe mista que dificulta sua procedência: Traz um diretor alemão,  Robert Sigl, e um elenco de nacionalidade húngara onde todos falam inglês.

Talvez isso já responda por muito do clima incomum que cerca o filme desde o começo, quando num vilarejo europeu do Século XIX acompanhamos o dia-a-dia de uma garotinha de não mais que uns doze anos chamada Laurin (a expressiva Dóra Szinetár), cujo pai, Arne (János Derzsi) marinheiro de incorrigível aptidão para o mar, inicia mais uma vez seus preparativos para partir. A família, composta por Laurin, pela esposa Flora (a bela Brigitte Karner) e pela mãe Olga (Hedi Temessy), se ressente de seus longos períodos de ausência, mas Arne não consegue impedir sua natureza.

Ele não o faz nem mesmo quando Flora acaba morrendo, afogada nas águas do cais local: Mesmo diante do luto e da dependência emocional e física da filha e da mãe, Arne acaba partindo. Nesse trecho, o filme de Robert Sigl introduz um novo protagonista: Van Rees (Karóly Eperjes), filho do reverendo local, atormentado pela neurótica educação paterna quando criança, e que chega ao vilarejo confundido por Laurin com seu pai.

Ele torna-se professor da escola local –inclusive, da própria Laurin –e descobre, mais tarde, que um garotinho, vizinho e amigo de Laurin, o pequeno Stefan (Barnabás Toth), é na realidade seu irmão, fruto de escapadelas noturnas realizadas por seu pai, o que aflora instintos sombrios em Van Rees –isso, numa comunidade onde todos aparentam ter instintos sombrios: Do temperamento brutal e abrupto dos adultos em suas recriminações, à aversão maníaca da própria avó por gatos, passando por tendências incestuosas da própria Laurin –existem uma ou duas cenas (jamais realizadas se o filme fosse feito nos dias de hoje) que flagram de forma alarmante e controversa a jovem Dóra Szinetár às voltas com a sexualidade do próprio pai (!) –o filme de Sigl extrai sobressaltos de medo a partir de instantes que receberiam tratamento bucólico de outros diretores.

Dizer-se-ia, portanto, que “Laurin”, na maior parte do tempo, não tem nem mesmo uma trama para ser acompanhada: É uma sucessão de sequências incertas com a vida no campo em foco, e um esmerado empenho visual a registrar passagens súbitas, tétricas certamente, mas pouco relacionadas a um enredo que leve a algum lugar. Este é, pois, o mais notável de seus estratagemas; passa muito tempo de filme até que percebamos que diversas pontas soltas estavam sendo reveladas a nossos olhos –mesmo as aparições de ordem sobrenatural o fazem com tanta sutileza e fleuma que se integram harmoniosas ao transcorrer narrativo dos eventos –e quando tudo se junta, já a converter-se nos meandros macabros determinantes de sua premissa de terror, somos surpreendidos pelo aparecimento dessa escuridão.

Ironicamente, as características que fazem “Laurin” tão singular são as mesmas que lhe tornam pouco apetecível: Justamente o fato de sua condução contida e parcimoniosa dispersar o filme de terror que ele é num enganoso, porém longo e hermético retrato da vida campestre em um vilarejo europeu.

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