Em princípio, é até difícil dizer do que “Laurin” realmente se trata: É a história de uma menina perseguida por fantasmas? É um drama de época onde os artifícios de terror empregados em sua narrativa visam diferenciar sua abordagem?
Lançado em 1989, “Laurin” não apenas usa de
elementos góticos, surreais e estilizados para se tornar bastante único, como
também ostenta uma equipe mista que dificulta sua procedência: Traz um
diretor alemão, Robert Sigl, e um elenco
de nacionalidade húngara onde todos falam inglês.
Talvez isso já responda por muito do clima
incomum que cerca o filme desde o começo, quando num vilarejo europeu do Século
XIX acompanhamos o dia-a-dia de uma garotinha de não mais que uns doze anos
chamada Laurin (a expressiva Dóra Szinetár), cujo pai, Arne (János Derzsi)
marinheiro de incorrigível aptidão para o mar, inicia mais uma vez seus
preparativos para partir. A família, composta por Laurin, pela esposa Flora (a
bela Brigitte Karner) e pela mãe Olga (Hedi Temessy), se ressente de seus
longos períodos de ausência, mas Arne não consegue impedir sua natureza.
Ele não o faz nem mesmo quando Flora acaba
morrendo, afogada nas águas do cais local: Mesmo diante do luto e da
dependência emocional e física da filha e da mãe, Arne acaba partindo. Nesse
trecho, o filme de Robert Sigl introduz um novo protagonista: Van Rees (Karóly
Eperjes), filho do reverendo local, atormentado pela neurótica educação paterna
quando criança, e que chega ao vilarejo confundido por Laurin com seu pai.
Ele torna-se professor da escola local
–inclusive, da própria Laurin –e descobre, mais tarde, que um garotinho,
vizinho e amigo de Laurin, o pequeno Stefan (Barnabás Toth), é na realidade seu
irmão, fruto de escapadelas noturnas realizadas por seu pai, o que aflora
instintos sombrios em Van Rees –isso, numa comunidade onde todos aparentam ter
instintos sombrios: Do temperamento brutal e abrupto dos adultos em suas
recriminações, à aversão maníaca da própria avó por gatos, passando por
tendências incestuosas da própria Laurin –existem uma ou duas cenas (jamais
realizadas se o filme fosse feito nos dias de hoje) que flagram de forma
alarmante e controversa a jovem Dóra Szinetár às voltas com a sexualidade do
próprio pai (!) –o filme de Sigl extrai sobressaltos de medo a partir de
instantes que receberiam tratamento bucólico de outros diretores.
Dizer-se-ia, portanto, que “Laurin”, na maior
parte do tempo, não tem nem mesmo uma trama para ser acompanhada: É uma
sucessão de sequências incertas com a vida no campo em foco, e um esmerado
empenho visual a registrar passagens súbitas, tétricas certamente, mas pouco
relacionadas a um enredo que leve a algum lugar. Este é, pois, o mais notável
de seus estratagemas; passa muito tempo de filme até que percebamos que
diversas pontas soltas estavam sendo reveladas a nossos olhos –mesmo as
aparições de ordem sobrenatural o fazem com tanta sutileza e fleuma que se
integram harmoniosas ao transcorrer narrativo dos eventos –e quando tudo se
junta, já a converter-se nos meandros macabros determinantes de sua premissa de
terror, somos surpreendidos pelo aparecimento dessa escuridão.
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