sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Sequestro No Espaço


 Uma pena que, nas últimas décadas, Luc Besson tenha sentado menos na cadeira de diretor para atuar em produções como produtor, argumentista ou roteirista, viabilizando com isso o trabalho de terceiros. Uma hora ou outra, porém, essa atividade revelaria talentos tão auspiciosos quanto o seu; e é, mais ou menos, o que ocorre aqui, nesta formidável ficção científica de ação.

Acelerado como poucas produções conseguem ser, mesmo no vertiginoso cinema comercial de hoje, o filme dirigido por Stephen Saint Leger e James Mather, a partir de uma ideia esboçada pelo próprio Besson (e roteirizado por ele e pela dupla de diretores), começa em altíssima voltagem quando seu debochado e intratável  protagonista, Snow (o sensacional Guy Pearce), se vê encurralado numa nebulosa situação: Agente da CIA, Snow deve fugir de inimigos que o incriminaram a fim de provar sua inocência e a de um amigo abatido. Tudo parece girar em torno de uma pasta com segredos, tida como perdida. E o filme não apenas começa em meio à ininterruptas cenas de ação, mas em meio à uma trama que acomoda, ela própria a ação; uma característica muito peculiar de Besson nesse cinema tão avesso ao conteúdo em detrimento do senso estético é justamente essa sua capacidade para fazer com que a própria história a ser contada adquira as nuances frenéticas inquietas das próprias sequências que emoldura.

E assim o filme segue implacável: Snow é condenado e sua sentença é um sono criogênico no espaço onde, em órbita da Terra, uma prisão espacial já abriga uma legião de condenados num sistema ainda experimental de carceragem.

Eventualmente a bordo dessa nave-prisão, a filha do presidente norte-americano, Emilie (a gracinha Maggie Grace, da série “Lost”), vai fazer uma inspeção protocolar a fim de apurar as informações que apontam efeitos colaterais como a demência entre os prisioneiros submetidos à criogenia. Um desses prisioneiros, Hydell (Joe Gilgun, de “Harry Brown” e a série “Preacher”), de altíssima periculosidade, despertado justamente para a entrevista com ela, consegue escapar espalhando o caos, e logo conseguindo libertar todos os outros, inclusive seu irmão Alex (Vincent Regan, de “300” e “Joana D’Arc”), menos psicótico e inconsequente que ele, e mais estrategista e manipulador –Alex não tarda a usar a vida dos reféns disponíveis (inclusive Emilie, que os criminosos ainda não sabem tratar-se da filha do presidente) como moeda de troca na negociação com as autoridades.

Nesse processo, Snow surge como um coringa em meio às cartas desse baralho: É hábil e eficaz o bastante para um missão suicida onde deve exclusivamente salvar Emilie, mas descartável o suficiente para protagonizar uma operação em tudo e por tudo insensata. Ele é enviado, de modo clandestino, na nave-prisão tendo pouco tempo para tirar sua refém de lá; pois a nave, sem as manutenções de rotina, irá cair em direção à Costa Leste norte-americana, isso se, antes disso, os conselheiros de defesa não passarem por cima da autoridade presidencial e conseguirem aprovar um ataque maciço contra o lugar.

Absolutamente indiferente à falta de originalidade de seu plot e ao fato de que, à grosso modo, sua premissa básica une elementos deliberadamente extraídos de “Fuga de Nova York”, “Duro de Matar” e “Alien-O 8º Passageiro”, a obra de Saint Leger e Mather é um exercício virtuosístico de ritmo e subtração de tempos mortos; tudo em “Sequestro No Espaço” depõe a favor da ação, sejam suas guinadas narrativas –elaboradas com primazia fulgurante e detalhamento –sejam os perigos incessantes que se abatem sobre os protagonistas da primeira à última cena, sejam as cenas de ação propriamente ditas, editadas com inquietação e realizadas com apaixonado esmero, de um entusiasmo tamanho que sua euforia passa por cima de circunstâncias prosaicas como a ocasional imperfeição de seus efeitos digitais, para moldar um trabalho exemplar dos mecanismos que determinam a narrativa desse gênero.

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