Em 1950, o diretor Otto Preminger tornou a reunir o casal Dana Andrews e Gene Tierney –o mesmo par da obra-prima “Laura” –num filme onde seu envolvimento romântico era essencial aos desdobramentos da trama noir.
Realizado com pulsante inteligência do início
ao fim, “Passos Na Noite” é um suspense brilhante onde testemunhamos um
protagonista afundando nas complexas intrigas que ele mesmo pavimentou. No
papel do Detetive Dixon, Dana Andrews exibe uma tenacidade fisionômica que ele
imprimiu à outros papéis –e que servem perfeitamente aos propósitos da
narrativa. Logo no início, Dixon recebe um tremendo esporro de seu superior:
Famoso nas ruas por seu trato truculento com a bandidagem, Dixon recebe a
severa sugestão de aprender a pegar leve, caso contrário, será rebaixado. Na
ocasião, o distrito onde opera ganha um novo oficial, o Tnt. Thomas (Karl
Malden, de “Sindicato de Ladrões”), conhecido por ser um policial bem mais
brando. Outra coisa também acontece: Um homem é morto nas dependências do
cassino clandestino comandado pelo mafioso Scalise (Gary Merrill).
Na versão dos mafiosos –que Dixon imediatamente
percebe ser mentirosa –o homem quis sair quando perdeu todo o dinheiro para
eles; e acabou morto pelo ex-combatente de guerra, Ken Paine (Craig Stevens).
Entretanto, na realidade, Paine, embora tenha lutado com o falecido, não o
matou –ele foi morto por Scalise, desejoso de recuperar o dinheiro que dele
perdera e aproveitar a luta dele com Paine para incriminá-lo.
A única testemunha mais neutra do ocorrido era
a ex-esposa de Paine, Morgan (a belíssima Gene Tierney), levada até ali por
Paine sob pressão –o que, durante o ocorrido, havia deixado seu pai ultrajado.
Instruído a procurar Paine, Dixon encontra-o em
seu apartamento, mas, por uma infeliz sucessão de infortúnios, acaba lutando
com Paine quando este resiste à prisão e, num acidente, termina levando-o à
morte –o caso, que já tinha as complexidades inerentes à um crime normal, ganha
então ares ainda mais complicados para o policial! –Ele elabora alguns
estratagemas a fim de despistar as suspeitas sobre si, e planta todos os
indícios que apontam para uma fuga de Paine, enquanto tenta consumir com seu
corpo.
Nesse meio tempo, a investigação prossegue e
Dixon se descobre, pouco a pouco, enamorado por Morgan. Sua inesperada paixão
ganha doses maciças de culpa a partir do momento em que o pai dela –um
falastrão que gritava para tudo e para todos que mataria Paine se ele
encostasse um dedo em sua filha! –se torna o suspeito nº 1 do assassinato.
Ao contrário de “Laura”, onde o assassinato em
si levava à desdobramentos fascinantes para muito além de quem era o culpado
–tomando esses acontecimentos ressonantes como consequências a rondar a própria
personagem principal –aqui, em “Passos Na Noite”, o diretor Premiger
primeiramente tira qualquer manutenção de mistério em torno da identidade dos
assassinos (em ambas as mortes ocorridas no filme, sabemos sem sombra de
dúvidas quem as praticou), preferindo, em vez disso, acompanhar com entusiasmo
quase sádico o improvável envolvido nessa enrascada (o protagonista Dixon) a tentar
livrar-se de seu embuste, criando novos e comprometedores embustes.
Como era inerente ao gênero noir, as
intrincadas circunstâncias que vão aos poucos engolindo o personagem principal
são também facetas de ordem psicológica, por meio das quais ele próprio se
defronta com a verdade sobre si mesmo: Se no princípio, Dixon é uma casca dura
e impenetrável, aos poucos vislumbramos vestígios de empatia (quando
apaixona-se por Morgan e decide provar a inocência de seu pai), de perplexidade
(as inúmeras jogadas para tentar safar-se de uma condenação e, ao mesmo tempo,
ficar com a garota que ama, bem como a amarga constatação de que não pode ter
os dois) e de sua própria retidão moral (a decisão derradeira, de optar por um
caminho distinto de seu pai ladrão, a assombrá-lo desde sempre, onde faz, acima
de tudo, a coisa certa).
Seja na compreensão singular dos meandros
técnicos da construção de uma cena, seja no instinto primoroso para saber os
rumos, os tempos e as atmosferas de uma história, o diretor Otto Premiger
sempre foi um artesão de brilho inconteste, aqui, se não era seu intento
realizar um divisor de águas cinematográfico –e “Passos Na Noite” goza,
sobretudo, da despretensão de ser um belo e afiado entretenimento –ele foi
capaz de urgir um dos mais formidáveis e inteligentes exemplares do filme noir.
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