“Ele era meu pai, e minha mãe. Ele era meu irmão, meu amigo. Ele era eu, e era você. Ele era todos nós.”
Em tempos de uma nociva polarização de
ideologias políticas é interessante rever “V de Vingança” e perceber o quanto
ele é brilhantemente conciliatório em seu subtexto, sugerindo apesar de tudo
que o objetivo conquistado pelo alto preço da liberdade está, sem sombra de
dúvida, no equilíbrio e na moderação.
Graphic novel criada
pela mente fervilhante do escritor Alan Moore (que, marrento que só, exigiu que
seu nome não constasse nos créditos deste filme) e pelos traços do ilustrador
David Lloyd, “V de Vingança”, a HQ, inspirava-se na gestão britânica da dama de
ferro Margaret Thatcher durante os anos 1980 para moldar uma distopia complexa
e multifacetada sobre o totalitarismo; no roteiro austero e inteligente das
Irmãs Wachowsky –com o qual presentearam seu diretor de segunda unidade em
“Matrix”, James McTeigue, para que fizesse sua estréia como diretor –a mesma
trama intrincada, desafiadora e vasta em detalhes inacabáveis é condensada com
esperteza e desenvoltura cinematográfica em seus elementos mais pontuais e
memoráveis; e que dizem respeito, sobretudo, à relação entre o revolucionário V
(Hugo Weaving, fazendo milagres com um personagem mascarado o tempo todo) e a
jovem Evey (Natalie Portman, fabulosa).
O prólogo do filme remonta a história real de
Guy Fawkes que, no início do Século XVII, num dia 5 de novembro, tentou
explodir o prédio do Parlamento inglês num atentado mal-sucedido conhecido como
a Conspiração da Pólvora. Esse trecho não só serve para explicar o porque de
seu misterioso protagonista usar uma máscara de Guy Fawkes todo o filme
(máscara esta que, depois deste filme, tornou-se uma espécie de indumentária
para revolucionários em geral na cultura pop), mas também para expor a
percepção muito humana de sua personagem principal e narradora do filme (e
indiretamente, dos próprios realizadores): A de que ideias podem, sim,
transformar o mundo, mas são com as pessoas que as expressam que nos conectamos
emocionalmente.
Assim, somos então levados à essa Inglaterra
algo futurista, totalitária, controlada pelo governo com uma mão-de-ferro que
costuma ser tão assim intransigente e esmagadora nas mais variadas traduções
que o cinema oferece de tal conceito (e existem inúmeras). Nela, Evey é uma
jovem salva repentinamente numa noite pelo mascarado V, da sanha impune dos
chamados Finger-Man (agentes violentos que atuam para o governo e nos quais, já
ali, se identifica uma perigosa corrupção moral). Na sequência, Evey testemunha
o início dos planos de V: Ele explode, ao soar da meia-noite (quando começa o
dia 5 de novembro), o prédio Old Bailey, alarmando as autoridades.
É, literalmente, apenas o começo: Horas mais
tarde, V invade a emissora de TV onde Evey coincidentemente trabalha e, ao
sequestrar toda uma equipe televisiva, faz um anúncio; dentro de um ano,
exatamente no dia 5 de novembro, ele explodirá o prédio do Parlamento como um
ato simbólico de um inconformismo que ele sente (e que o povo deveria sentir)
pelos atos do governo. Na ocasião, Evey retribui seu salvamento ajudando-o a
escapar da polícia, e com isso, acaba indo parar no refúgio onde V se esconde
das autoridades.
Assim, iniciam-se as investigações para
encontrar o terrorista V, conduzidas pelo inspetor Eric Finch (Stephen Rea),
antes que a data-limite chegue. Contudo, o que Finch descobre, aos poucos,
menos o leva em direção à identidade de V, e mais a uma série de projetos
obscuros perpetrados pelo governo destinados a levar ao poder o maquiavélico
Adam Sutler (John Hurt, cuja presença ecoa o referencial “1984 de Orwell”) e
que levam à trágica origem de V, e do porque ele possuir uma lista muito
específica de alvos dos quais, ao longo desse ano, dará cabo, um a um:
Começando pelo presunçoso Prothero (Roger Allam), comunicador de TV oficial do
governo conhecido como a Voz de Londres, o sórdido e abusivo Bispo Lilliman
(John Standing) e culminando na cientista Delia Surridge (Sinéad Cusack).
Mas, apesar dessas fascinantes e relevantes
ramificações, a trama de “V de Vingança” repousa mesmo sobre Evey, e sobre as
transformações internas provocadas nela por V: De uma jovem amedrontada e
alienada, ela se converte à duras penas (inclusive graças a uma questionável
manobra de V lá pela metade da história) numa pessoa consciente de suas
posições políticas e convicta de sua própria sensatez.
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