quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A Lenda do Lago do Mal


 Parte coreano, parte chinês, “A Lenda do Lago do Mal” é uma produção que se permite afetar por sua incerta procedência: É um pouco inúmeras coisas, sem ser nenhuma por completo; filme épico romântico, artes marciais, filme de espíritos.

Na antiguidade do Oriente –o tempo é definido como 57 A.C. –num reino conhecido como Shilla, um monarca usa de uma espada mágica para aprisionar um temível feiticeiro, Auta (Park Dong-Bin), nas redondezas de um lago, desde que tal espada (à exemplo de “Excalibur”) permaneça cravada ao solo.

Milênios se passam e a então imperatriz de Shilla, a bela Jinseong (Hye-Ri Kim) enfrenta levantes de forças rebeldes refugiados nas florestas. Seu grande ás contra os inimigos –e seu grande amor, mal disfarçado dos demais –é o valoroso General Biharang (Jung Joon-Ho) que, a despeito da lealdade à sua rainha, almeja uma vida pacata para poder desposar da camponesa Junbie (Kim Hyo-Jin). Contudo, as intrigas palacianas de praxe –visando o enfraquecimento político de Jinseong a começar pela neutralização de seu mais hábil guerreiro –conspiram para que dois homens sejam enviados para matar Junbie na floresta, enquanto Biharang se vê ausente nos campos de batalha..

Ela foge, perdendo-se na mata e, em desespero ante seus algozes, arranca uma espada da terra para proteger-se; mas, eis que trata-se da espada mágica que aprisionava o espírito vingativo de Auta (!). Quando Junbie, incapaz de fugir de seus perseguidores, resolve se jogar no lago, Auta toma seu corpo, e assim, munido de seus poderes agora libertos –e um tanto irregulares em seus propósitos –parte para uma espécie de vingança, primeiro matando esses homens que fizeram mal à Junbie, e depois dando início ao plano de eliminar a rainha Jinseong, como Auta havia prometido ao antepassado dela, caso escapasse.

E já nessa manobra, percebemos que o roteiro se esquece de delinear seus personagens: Afinal, aquele corpo que representa o antagonismo do filme é ocupado por Junbie ou por Auta? Nesse sentido, as motivações se confundem. Com um uma expressão a lembrar as aparições fantasmagóricas de “O Chamado” ou “O Grito”, a bonitinha Kim Hyo-Jin exibe poderes sobrenaturais –como voos e trucagens mais comuns em artes marciais wuxia (!) –e, na maior parte do tempo, segue o plano maligno do feiticeiro, mas em muitos momentos parece preservar as vontades e os interesses do Junbie –num recurso que mais aponta para uma fragilidade do roteiro do que para complexidade de fato.

E o filme dirigido por Lee Kwang-Hoon segue nada harmonioso, procurando unir, numa produção sul-coreana –diga-se despida de tradições envolvendo fantasias de artes marciais –os elementos canônicos dos filmes wuxia chineses, embora as sequências ao estilo “O Tigre e O Dragão” ou “A Tocha de Zen” não apareçam como transfigurações naturais e folclóricas dos embates assim elaborados, mas como consequências da presença muito suspeita de magia negra. Uma opção estranha que pouco acrescenta neste filme oscilante em diversos extremos que nunca ornam: Não é drama romântico (pois o dilema envolvendo a rainha apaixonada, Biharang e Junbie jamais é desenvolvido o suficiente para se aprofundar) e nem épico de artes marciais (as lutas e batalhas são poucas, homeopáticas até, e as cenas de coreografia mais elaborada pertencem –pasmem –à fantasma de Junbie!); não é uma aventura de fantasia (pois, os mal explicados elementos mágicos se dispersam em meio às sub-tramas conspiratórias de seus numerosos personagens), nem um terror de época (porque os efeitos digitais executados nas aparições fantasmagóricas são risíveis e em nada enfatizam qualquer teor macabro que estivesse nos planos da produção). Quer ser um pouco de tudo isso, mas não consegue ser nada, até porque, na variedade de cenas tão díspares em estilo e proposta, se evidencia uma produção claudicante que ora exibe suntuosidade (sobretudo nos figurinos e na direção de fotografia) ora deixa escapar desleixo (em cenas mal realizadas de ação).

No final das contas, um resultado muito pouco aprazível.

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