quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Vigaristas


 O estilo de Rian Johnson encontra certa similaridade com o de Martin McDonagh, embora seja despido, diferente dele, de um contumaz fatalismo.

Johnson tem um apreço fora do comum pelos rumos quase sempre imprevistos que um roteiro é capaz de dar à narrativa e, sob a luz dessa percepção, praticamente todos os seus filmes são construídos –inclusive o incompreendido “Star Wars-Episódio VIII-Os Últimos Jedi”.

Datado de 2008, “Vigaristas” acompanha as peripécias de dois irmãos, Stephen (o inspiradíssimo Mark Ruffalo) e Bloom (Adrien Brody) por um mundo muito parecido com o nosso em suas características humanas, sociais, intelectuais e culturais.

Contudo, há uma série de elementos que conspiram a favor da ideia de que tal mundo onde transcorre a história é outro que não o real: Nele, os personagens dialogam numa verve poética e despojada, onde sentimentos e considerações insólitas fazem parte corriqueira do ato de interagir; e algumas leis da física e da ciência se aplicam com curiosa ambiguidade, contribuindo para o caráter deliberadamente inesperado da história.

O ofício de Stephen e Bloom nada mais é que aplicar golpes que provêm um certo meio de vida aos dois, e à Bang Bang (Rinko Kikuchi), a intrigante garota japonesa que os acompanha quase sempre como ajudante.

Stephen planeja tais golpes com a astúcia desigual de sua mente aguçada e Bloom, com suas feições de inocência crônica, trata de camuflar os embustes.

Mas, essa característica de Bloom não é fingimento: Ele realmente encontra certa perplexidade no ato do irmão enganar a tudo e a todos sistematicamente; e um sentimento de remorso o ronda toda vez que acontece.

À esse sentimento, somam-se uma série de outros mais, quando os dois irmãos decidem enganar a jovem Penelope Stamp (Rachel Weisz, luminosa) para dela usufruir da fortuna; a ideia é que Bloom, com seu jeitão de bom-moço, seduza a garota.

Entretanto, se isso vem a acontecer –inclusive, porque Penelope é, também ela, astuta e cheia de truques –o sentimento é recíproco: Bloom encontra em Penelope alguém por quem se importar, e ele não deseja vê-la prejudicada por mais um dos golpes do irmão.

Na atenção sempre interessada e interessante dessa dinâmica, o filme de Johnson passeia por verdades e inverdades, mentiras e golpes armados que fascinam pela forma sempre inesperada com que acabam se descortinando ao público, oferecendo contínuo atrativo à narrativa.

Nessa direção cheia de esperteza e segurança de Johnson, o brilho de Weisz e Brody é inconteste, mas é Mark Rufallo e seu vigarista a um só tempo perigoso e apaixonante, afetuoso e nada confiável, que torna antológica a experiência de ver o filme.

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