A lindíssima Sylvia Kristel foi o sonho erótico de toda uma geração. Não obstante seu grande sucesso em nichos obscuros (e para alguns, questionáveis), ela usufruiu do patamar que alcançara como símbolo sexual para perseguir projetos de maior qualidade. Um deles vem a ser este “Alice” –ou “A Última Fuga”, seu subtítulo –realizado por Claude Chabrol em 1977.
Essencialmente, “Alice” é uma narrativa
metafísica que envolve a expiação de sentimentos e relacionamentos que usa da
analogia com o conto de Lewis Carroll, “Alice No País das Maravilhas”, para na
maior parte do tempo despistar o expectador.
Linda (e ainda vestida!), Sylvia Kristel surge
em cena interpretando Alice Carroll (referência mais explícita, impossível!)
que, já na primeira cena, dá um basta em seu marido egoísta e presunçoso (Jean
Cherlian).
Ignorando os apelos dele para que fique, ela
arruma as malas e parte com seu carro estrada afora. Em meio a esse drama
doméstico, Chabrol deposita pequenos detalhes que remetem ao simbolismo na
narrativa do conto clássico de Lewis Carroll, em especial, o uso dos buracos: O
buraco que representa a aliança que Alice remove do dedo; e o buraco no vidro
do para-brisa do carro quando ela sofre um súbito acidente.
É esse contratempo que leva Alice –agora a pé e
debaixo de uma chuva torrencial –a pedir abrigo numa mansão localizada nas
imediações da estrada deserta que tomou. Lá, dois senhores estranhamente
solícitos a recebem de braços abertos –o Chapeleiro Maluco e a Lebre Aloprada,
talvez?
Chabrol é habilidoso em manter sempre uma
atmosfera onírica, como se a protagonista tivesse a partir daí mergulhado em
uma dimensão distinta, repleta de mistérios e segundas intenções.
O grande porém da obra de Chabrol é que seu
trabalho na direção detalha brilhantemente clima e contexto sem, entretanto,
ter muita história para ser contada, pois, a partir do momento em que se
hospeda naquela solitária mansão, Alice se vê prisioneira. E o filme se resume
então ao registro de sua perplexidade, nos encontros e desencontros com personagens
que nada acrescentam (e nem parecem querer acrescentar) à solução de seu
problema: Ela não consegue sair da propriedade. A mansão se encontra desabitada
(nem sinal dos dois senhores, o proprietário e o mordomo, que ela viu na noite
anterior), nem sinal de estradas (quando muito, há árvores caídas obstruindo a
passagem do carro), e um muro –que antes nem estava lá! –cerca todo o perímetro
do terreno, sem apresentar portões por onde passar!
Ela é mantida ali, por forças desconhecidas.
Surge sempre comida à mesa para ela preparar, e embora vez ou outra apareçam
transeuntes (que talvez correspondam aos personagens criados por Carroll em seu
clássico, como a Rainha Vermelha, avistada em duas cenas do filme), eles deixam
claro que não irão responder nenhuma de suas inúmeras perguntas.
Tal como “Alice No País das Maravilhas” –onde
vemos a criança imatura experimentar as agruras de um mundo surreal para
entender o conforto da vida real que antes repudiava –a Alice de Claude Chabrol
se defronta com as asperezas do incerto quase como um teste de fogo à vida
emancipada que almeja. Aos poucos, ela compreende parte da enigmática encrenca
em que se meteu: Que a chance de escapar (ou não) tem ligação com o tempo e com
o relógio quebrado, cujo pêndulo só volta a funcionar numa determinada hora;
quando escapar dali se torna possível.
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