O fato deste segundo filme da heroína da DC Comics ser radicalmente diferente, em proposta e atmosfera, à obra anterior parece ter gerado polêmica entre o público –uns adoraram; outros simplesmente repudiaram o resultado. A verdade é que, em tudo e por tudo, “Mulher Maravilha 1984” rema contra a corrente de austeridade apresentada no primeiro filme.
Se “Mulher Maravilha” era uma bem amarrada
trama de origem (além de um satisfatório exemplar de qualidade a brotar em meio
aos duvidosos títulos cinematográficos da DC), “1984” –ao menos, antes de seu
lançamento –era visto como uma produção que poderia colocar nos trilhos a
cronologia daquele universo de super-heróis: Recapitulando algo bastante
confuso, já haviam os filmes solos do Superman, da Mulher-Maravilha, do
Aquaman, do “Shazam!” e da Arlequina (o insano “Aves de Rapina”), além de
“Batman Vs Superman”, “Esquadrão Suicida” e “Liga da Justiça” –esses três
últimos terrivelmente mal recebidos por público e crítica.
O sinal vermelho de fracasso comercial acendeu
nos estúdios da Warner e algumas providências foram tomadas: Iniciou-se a
produção de um novo filme do Batman, desta vez vivido por Robert Pattinson e
não por Ben Affleck; James Gunn (de “Guardiões da Galáxia”, da Marvel) foi contratado
para realizar o que parece ser um reboot
de “Esquadrão Suicida”; e nesse ínterim, foi lançado (e aclamado) um filme do
“Coringa” estrelado por Joaquim Phoenix (e não por Jared Leto, seu intérprete
em “Esquadrão Suicida” e “Liga da Justiça”).
Foi durante essa indefinição que “WW 1984” foi
realizado. E pelo fato do filme surgir em meio à essa incerteza quanto à
cronologia canônica desse universo, aliado ao fato dele não se ambientar no
presente, mas na década de 1980, muito se especulou que seria ele quem daria o
pontapé inicial a uma reformulação na cronologia DC, apagando tudo o que deu
errado e dando origem às novas linhas narrativas que seguiriam a partir daqui
(como o novo Batman e o novo Esquadrão Suicida), o que gerou uma certa
expectativa ao projeto.
E muita expectativa, como se sabe, não faz bem
a um filme. Especialmente quando o que se entrega é uma obra que não
corresponde, em nada, aos anseios de seu público.
Inciando, como o título já diz, em 1984
–esqueça qualquer referência à “1984 de Orwell” –o novo filme protagonizado por
Gal Gadot (de longe, a melhor coisa do filme, léguas a frente de todo o resto)
mostra Diana Prince vivendo em meio à humanidade com bastante discrição,
buscando ocultar seus poderes prodigiosos e o fato de que ela é praticamente
uma imortal.
Aqui e ali, Diana comete alguns atos de
heroísmo enquanto ainda lamenta a morte de seu amado Steve Trevor (Chris Pine)
ocorrida no filme anterior, na época da Primeira Guerra Mundial.
Surge então, no museu em que Diana trabalha –ao
lado da desengonçada Dr. Minerva (Kristen Wiig) –uma pedra misteriosa imbuída
do poder dos deuses, capaz de realizar qualquer desejo, cobrando um preço
sempre traiçoeiro por tal pedido.
Para Diana, ela realiza o desejo de ter seu
amado Steve de volta –levando-o a assumir o corpo de um desconhecido (!?) –para
Minerva, ela atende ao pedido de tornar-se tão hábil, poderosa e forte quanto
Diana; e para cada vontade realizada, há um porém: Diana, em troca de seu amor,
vai perdendo seus poderes, Minerva, por sua vez, perde sua humanidade,
convertendo-se cada vez mais na vilanesca Mulher Leopardo.
As coisas esquentam, porém, quando entra em
cena Maxwell Lord (interpretado com destreza por Pedro Pascal) cujo desejo é,
nada mais nada menos, ter os poderes da própria pedra! Ou seja: Ele é capaz de
realizar os desejos de qualquer um, e definir o que vai deles tomar para
benefício próprio. Cheio de lábia, Lord ainda consegue manipular as pessoas que
encontra, levando-os a desejar aquilo que ele próprio almeja de antemão.
E nesse aspecto –nos antagonistas desenhados
com propriedade –“WW 1984” encontra o único quesito no qual supera o filme
anterior e sua insatisfatória caracterização do vilão Ares. Em tudo o mais,
“1984” soa tão incrivelmente desleixado que parece até inacreditável que seja a
mesma e competente Patty Jenkins a capitaneá-lo: Embora hajam diversos
elementos interessantes que poderiam ter rendido um filme inteligente e
vibrante –a forma como a premissa afunila suas problemáticas ao mostrar o caos
quando todos têm seus desejos mais profundos realizados é um achado –a trama é
contada com irrelevância, gastando um tempo desnecessário com sequências
banais, como aquelas em que Steve Trevor tenta se inteirar do período futurista
(para ele) em que acabou reencarnando.
Na verdade, eis o grande problema que Patty
Jenkins adquiriu com este trabalho (e que ela precisa aprender a controlar em
suas realizações futuras): Os vícios de linguagem por meio dos quais uma cena,
ou um aspecto do roteiro, acaba ganhando demasiada e enervante elaboração,
passando do ponto –em alguns momentos esse estilo que ela adotou (e que talvez
tivesse a intenção de refletir a afetação da década de 1980) lembra muito os
exageros de Michael Bay, cuja falta de noção e percepção entre momentos de clímax
e baixa voltagem representa uma das maiores auto-sabotagens em sua obra.
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