“Esquadrão Suicida”, apesar da gorda bilheteria
e de um absurdo Oscar de Melhor Maquiagem, carrega a pecha de ser a mais
sofrível produção dentro do Universo Cinematográfico da DC Comics, que ainda assim
realizou muitas obras irregulares.
Dele, é quase unanimidade que se salva a
caracterização pulsante e irrequieta da belíssima Margot Robbie como a
Arlequina, namorada do vilão Coringa e que incorpora praticamente uma versão
dele de saias.
Assim, a Warner Studios, disposta a afastar-se
dos elementos que deram errado e trilhar um caminho focado nos elementos que
deram certo, bancou este novo filme que agora coloca a Arlequina sob a mira de
todos os holofotes na esperança de que ela brilhe tanto quando o fez no filme
anterior –e, com isso carregue todo um filme nas costas.
Aproveitando esse ensejo, esta espécie de
‘derivado’ –pois é tão deliberadamente distanciado temática e narrativamente de
“Esquadrão Suicida” que sequer pode ser chamado de ‘continuação’ –começa,
portanto, com Arlequina já separada do Coringa. A explicação é fornecida num
prólogo animado que contorna muito bem as dúvidas e dilemas acerca de como
mostrá-lo (ou não mostrá-lo) no filme.
Irritada ao constatar o fato de que toda a fama
e bajulação que usufruía vinha de seu namoro com o vilão –e de que, sendo
assim, sua própria periculosidade, e seu próprio gênio criminoso nada contavam
–Arlequina resolve dar um basta e dedicar-se a uma espécie de emancipação.
É quanto entram em cena as outras personagens
do filme e que, ao seu jeito, representam as peças do quebra-cabeça (ao lado de
sua irreprimível protagonista) daquilo que sua diretora deseja contar:
Conhecida por dirigir a pérola independente “Dead Pigs”, Cathy Chan assume as
rédeas da produção não apenas superando com larga margem o trabalho de
coordenar a ação, divertir com a história e entreter com o resultado final
entregue por David Yates em “Esquadrão Suicida”, como também realiza aqui, na
ênfase exultante de suas personagens e na elaboração moral e circunstancial de
suas trajetórias, o que pode ser entendido quase como um manifesto feminista.
Temos, então, a Canário Negro (Jurnee
Smollett-Bell, ótima) que trabalha resignada como cantora de boate e motorista
de um chefão do crime tentando inibir, na maioria das vezes, sua compaixão e
solidariedade pelos indefesos. Há também Renee Motoya (a veterana Rosie Perez),
a policial inteligente e perspicaz cujas inteligência e perspicácia, dentro da
polícia de Gothan City, só serviram para beneficiar mais os homens que
parasitaram seu trabalho do que ela própria; a misteriosa Caçadora (a
sensacional Mary Elizabeth Winstead) que, por razões a serem esclarecidas mais
tarde (num esperto jogo de informações executado pelo roteiro) está fazendo uma
verdadeira chacina em membros bastante específicos da máfia de Gothan; e, por
fim, a garotinha Cassandra Cain (Ella Jay Basco), adolescente de mãos ligeiras
e ladra de carteiras que, ao afanar o item errado, coloca em seu encalço toda
sorte de gansgters de Gothan –além de Arlequina e toda essa trupe mencionada
acima!
O roteiro de “Aves de Rapina” é
extraordinariamente travesso e inconformista: Refletindo a personalidade
instável e alegremente esquizofrênica da Arlequina (que narra o próprio filme e
quebra seguidamente a quarta parede a exemplo de “Deadpool”), as situações,
construídas com inspiração por si só, se seguem num rompimento constante da
linearidade como se fossem lembranças que se atropelam fora de ordem, numa
narração que as embaralha para dar um aroma de reviravolta à algumas
revelações.
Nele, nenhum personagem masculino chega ao
final isento de falhas de caráter e de causar, de alguma maneira, mal às
protagonistas.
O resultado é um filme ebuliente e colorido,
assumidamente ‘girl-power’ e ocasionalmente maniqueísta, estrelado por uma
personagem tão carismática e arrebatadora quanto a atriz que a interpreta, e
que, junto com “Mulher Maravilha”, “Aquaman” e “Shazam!” restabelece muito da
promessa de qualidade no que podem ser feito dos personagens da DC Comics daqui
para frente.
O único problema é que, tão
focado em sua própria estrela ele é (e Margot Robbie está realmente brilhante!)
que o filme acaba negligenciando as suas outras personagens, todas igualmente
ótimas (e igualmente interpretadas por atrizes fenomenais) que não ganham,
porém, tanto espaço assim –se há alguém que consegue o milagre de se sobressair
tão bem quanto Margot Robbie esse alguém é Ewan McGregor, dando exaltação e
personalidade ao Máscara Negra, vilão da vez do filme, e personagem notadamente
genérico nos quadrinhos a quem o ator consegue conferir graça e senso de ameça
genuínos, tirando leite de pedra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário