Não havia como James Franco interpretar Tommy
Wiseau nesta reconstituição apaixonante, apaixonada e heróica dos bastidores do
filme “The Room” (hoje dono do infame título de pior filme de todos os tempos)
se ele também não viesse a dirigir a produção. Como também não haveria como ele
dirigir esta produção se não viesse também a interpretar, ele próprio, o seu
protagonista: A personalidade de Wiseau (ou ao menos aquela inacreditável
faceta que ele permitiu revelar ao mundo) é indissociável da fauna curiosa e,
não raro, perplexa que ele reuniu ao seu redor, da iniciativa inconseqüente e
destrambelhada de se lançar como cineasta e do filme absurdamente bizarro que
disso tudo resultou.
O grande brilho deste trabalho é, portanto, a
compreensão incondicional que James Franco possui dos estranhos impulsos de
vaidade que acometeram seu protagonista e que foram interpretados pelo público
em geral como cacoetes bisonhos de alguém sem noção. Da mesma forma que sua
atuação emula uma admiração salutar, sua narrativa reconhece algo mais onde
todo o resto enxergou só galhofa: Uma vontade genuína de expor seus sentimentos
por meio da arte.
Do início ao fim os olhos da plateia –porque
Wiseau é um personagem deveras singular para isso –o hesitante candidato a ator
Greg Sestero (Dave Franco, irmão de James) só consegue superar suas inibições
no palco graças ao incentivo um tanto estranho vindo do mais estranho ainda
Tommy, que James Franco interpreta com o primor equilibrado e imersivo que lhe
valeu o Globo de Ouro 2018 de Melhor Ator em Comédia ou Musical.
Esquisito num nível quase irreal, Tommy Wiseau
é aquele tipo de personagem que seria completamente inacreditável se não
existisse de fato: Fala com um sotaque bisonho e frequentemente indiscernível,
tem um comportamento completamente fora da realidade e preserva um mistério em
torno de si mesmo (e de como ele conseguiu ter tanto dinheiro) que torna tudo
ainda mais intrigante –ele conta para todos que veio de Nova Orleans, crente de
que alguém acredita nesse papo furado!
Justamente por conta dessa alienação extrema
experimentada por ele, Wiseau transforma o melhor amigo Greg no foco central de
seus planos de vida e juntos os dois vão morar em Los Angeles, tentar a sorte
como atores profissionais.
Os primeiros anos –o filme se inicia no fim da
década de 1990 –os confrontam com diversos infortúnios e rejeições e, sem
conseguir emprego, eles têm a ideia de fazer, eles mesmos, um filme para que
possam estrelar como atores.
Tommy, o dono afinal de todo o dinheiro que vai
bancar a maluquice, escreve o roteiro que ele mesmo estrela, dirige e produz,
com Greg como seu principal coadjuvante.
“O Artista do Desastre” se incumbe assim de
todo o non-sense que rondou de ponta a ponta as filmagens de “The Room”, desde
cenários desnecessariamente confeccionados em estúdio, até presepadas
inacreditáveis (todas elas, claro, protagonizadas, por Wiseau), algumas
inclusive que podem ser conferidas no próprio filme que acabou realizado, uma
das obras mais absurdas e sem pé nem cabeça da história do cinema –e, por isso
mesmo, um fenômeno cult como atestam os depoimentos reais no começo de Kevin
Smith, J.J. Abrahams, Lizzy Caplan, Adam Scott e muitos outros..
Embora houvesse material para tanto, o que
James Franco realiza não é uma comédia escrachada, mas um esforço conciliatório
de chamar o público a compreender a quase sempre incompreensível personalidade
de Wiseau, aproximar-se dele, vencer as barreiras de sua esquisitice e vê-lo
como um pessoa de verdade.
Na interpretação minuciosa
com a qual consegue replicar sem afetação os trejeitos de seu protagonista (e
isso, em si, é quase um milagre) e na condução algo estóica do cinema
independente em gestação que registra, o filme realizado por Franco pulsa de
admiração e bem-querer, seguindo pelo caminho das pedras para ser nem tanto uma
comédia de riso frouxo, mas, um belo trabalho sobre cinema e para cinema onde
está em foco uma das mais fascinantes, patéticas e tocantes personalidades a
aparecer nas telonas.
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