quarta-feira, 19 de maio de 2021

Os Irmãos Cara-de-Pau


 Não é nada difícil de entender as razões que transformaram “The Blues Brothers”, de John Landis, em um cult-movie: Irrequieto e dançante do início ao fim, o filme consegue um raro equilíbrio entre o ritmo eletrizante, os sucessivos desdobramentos episódicos que acompanham os protagonistas (e que os emolduram com uma aura inspirada e inconsequente de desenho animado) e um humor fervilhante e irresistível, dos mais bem administrados dos anos 1980.

O filme narra a epopéia caótica, musical e hilária dos Irmãos Blues, o rechonchudo Jake (o irreverente John Belushi),recém-saído da cadeia onde esteve por cinco anos, e o magrelo Elwood (Dan Akroyd, ligeiramente abobado). Crescidos num orfanato, os dois, outrora músicos que viviam e respiravam jazz, têm o estiloso hábito de usar ternos pretos e óculos escuros em todas (e até nas mais inadequadas!) ocasiões; maneirismo emprestado de seu grande ídolo, o zelador Curtis (Cab Calloway, a primeira de inúmeras participações especialíssimas que virão). Jake e Elwood tomam para si o objetivo de quitar os impostos pendentes do orfanato em que cresceram impedindo sua demolição. A inspiração vem num culto regido pelo reverendo personificado por James Brown: Reunir sua antiga banda e juntar dinheiro honesto o suficiente –uma vez que a freira que os criou (vivida com singular aura messiânica por Kathleen Freeman) os proibiu de obter dinheiro ilicitamente. Dessa maneira, os Irmãos Blues procuram, um a um, os integrantes de seu famoso conjunto, o ‘Blues Brothers’ –incluindo seu trompetista (Tom Malone), agora um maitrê num restaurante chique onde eles aprontam poucas e boas; e seu guitarrista (Matt Murphy), agora cozinheiro numa lanchonete a serviço da esposa (Aretha Franklyn, num dos grandes momentos do filme). Ah, e eles também param numa loja de instrumentos musicais, gerenciada por ninguém mais, ninguém menos do que Ray Charles!

Nesse percurso, Jake e Elwood são perseguidos pela misteriosa ex-noiva de Jake (Carrie Fisher, num papel extremamente cartunesco e que demora a se esclarecer) que munida de bazucas (!), lança-chamas (!!), metralhadoras (!!!) e outros utensílios, tenta matá-los a toda hora –aquela aura de desenho animado de que falei...

Conforme os planos começam a dar errado (eles não conseguem agentes e, com isso, têm de se apresentar em inferninhos pouco rentáveis), os Irmãos Blues apelam para uma apresentação definitiva num grande anfiteatro, alugado com o ‘auxílio’ de um gangster (Steve Lawrence); todavia, até chegar nesse ponto, a trilha de destruição que os apalermados Blues Brothers vão deixando já colocou em seu encalço toda polícia de Illinois, bem como um grupo de ensandecidos e ridículos neo-nazistas!

Brilhantemente dirigido por John Landis, que jamais deixa que o filme se acomode num estilo simplório ou numa circunstância que reduza a marcha insana de seu roteiro, “Os Irmãos Cara-de-Pau” é quase um tour-de-force, um exemplo virtuosístico de narrativa conduzida num crescendo que leva à seqüência final, uma das perseguições de carro mais destrutivas da história do cinema, quando a afiadíssima dupla central tem poucas horas para chegar à Tesouraria do município de Chicago e saudar todas as dívidas do orfanato –numa missão que eles passam o filme todo dizendo ser de providência divina! –trazendo, ao fim, uma de suas mais sensacionais aparições especiais: Steven Spielberg!

Há pouco nexo no desenvolvimento de seu enredo, ele é povoado de piadas e gags que, no contexto errado, seriam infames e até sem graça (e parece um milagre que todas funcionem brilhantemente até os dias de hoje), e certamente sua realização prescinde de qualquer mensagem subliminar, entretanto, “Os Irmãos Cara-de-Pau” é o raro tipo de obra que resulta muito mais que apenas a soma de suas partes: É um trabalho incomparável, funcional e envolvente (a pífia e tardia continuação, lançada no ano 2000, é um exemplo do quão impossível é repetir sua mágica), encantador em sua primazia cinematográfica, tão assombroso quanto insuperável nas cenas antológicas, divertidas e vertiginosas que enfileira, e um convite eterno e constante ao riso frouxo.

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