segunda-feira, 17 de maio de 2021

Bohachi - O Clã dos Oito Esquecidos


 Filmes que traziam ou ainda trazem erotismo a apimentar suas premissas são uma faca de dois gumes –para o público, que os consome com relativo receio pela reprovação alheia (ainda me lembro das noites em que, adolescente, me esgueirei para assistir em casa o VHS do recém-lançado “Instinto Selvagem”!); e para os realizadores que correm o risco de ter seu produto, feito a partir de tendências mais comerciais, ser relegado pelos críticos como sub-entretenimento.

A despeito da repercussão que teve quando lançado em 1973, “Bohachi” suplanta essa sombra discriminatória que paira sob obras de cunho erótico relevando-se igualmente audacioso, inesperado e completamente inclinado para o subgênero que abraça: Há nele, nudez constante e sistemática, sequer passam dois ou três minutos sem que uma das inúmeras atrizes surja totalmente sem roupas em cena –e ele não disfarça isso, não parece pedir desculpas por isso, não se converte num filme todo diferente quando esses predicados não aparecem. E nem por isso é um filme amoral, grosseiro ou vulgar.

A obra de Teruo Ishii acompanha o ronin Shino (Tetsurô Tamba, de “A Felicidade dos Katakuri”) singrando pelo Japão da Era Edo, a tentar desvencilhar-se dos muitos que lhe querem capturar –a recompensa por sua cabeça é alta!

A cena de abertura, uma luta sob uma ponte emoldurada num pôr-do-sol gradual, expõe a identidade artesanal da produção aliada a uma habilidade inconteste. Ali vemos que Shino é extremamente hábil na arte de matar, mas, longe de ser invencível, ele se exaure quando os inimigos representam uma superioridade numérica difícil de ser combatida. Diante dessas conclusões, ele salta nas águas do rio, certo de que é o fim de sua vida (“Viver num inferno, morrer num inferno”), mas, ele é resgatado por um clã inesperado de samurais, os Bohachi.

Conceito saído da mente travessa e inventiva de Kazuo Koike (autor de “O Lobo Solitário” e também do mangá que inspirou este filme), os Bohachi formam um clã samurai que representa uma inversão completa dos ditames do Bushido, código de conduta que norteia os samurais em geral: Em vez da honra, a traição; em vez da verdade, a perfídia; em vez da retidão, a imoralidade.

Com efeito, os Bohachi dominam a aldeia onde estão instalados. Entretanto, por razões até bem óbvias, Shino não deseja aliar-se à eles. Mas, então o que fazer, se uma vez fora da sombra dos Bohachi todos se encontram em prontidão para atacá-lo? A saída é fazer um pacto com o sórdido e influente líder dos Bohachi (Tatsurô Endô). Com a proliferação de novas casas de prostituição –ofício que permitiu aos Bohachi o enriquecimento –o clã tem agora concorrentes para sua fonte de renda, e cabe à Shino agir por baixo dos panos, eliminando os proprietários dos prostíbulos, intimidando os clientes para que não procurem as prostitutas (exceto àquelas do Clã Bohachi), e até aliciando as próprias prostitutas, obrigando-as a irem embora, ou mudarem seu ‘local de atendimento’.

Da forma como é construído, portanto, “Bohachi-O Clã dos Oito Esquecidos” –na verdade, o correto seria “O Clã das Oito Virtudes Esquecidas” –aproveita-se desse enredo cheio de interesses obscuros de ambas as partes (mesmo o herói, dá de ombros para a necessidade de proteger os fracos e os oprimidos) para emoldurar a história que segue numa sucessão de cenas libidinosas de nudez e sexo, o objetivo final da produção. A coroação desse claro objetivo termina sendo a aparição das mulheres Bohachi –pois, o clã tem guerreiros e guerreiras também –que, numa manobra que é o cúmulo da safadeza, não se isentam de participar de lutas e outros embates todas completamente nuas!

Talvez seja desnecessário, portanto, afirmar que, embora seja, em si, um filme hábil e envolvente de samurais, “Bohachi” não traz a sintomática característica na qual as lutas sempre representam o propósito no qual a narrativa desemboca (embora hajam lutas e, sim, sejam muito bem realizadas), ao invés disso, a intenção da narrativa caminha para as cenas de teor explícito, nudez e sexo, temperadas com um viés de transgressão que parece agregar certo sabor de atrevimento ao todo –como o fato do imaculado, ranzinza e quase sempre casto herói ir cedendo pouco a pouco à devassidão que borbulha ao seu redor. Nesse sentido soa quase como um anti-clímax o desfecho que se desenrola sem a necessidade de uma luta apoteótica, mas, sobretudo no intimismo de traições e segundas intenções descobertas sob o efeito delirante do ópio, embora seja preciso notar o quanto esse gesto inesperado seja indicativo do brilho contraventor do trabalho de Teruo Ishii.

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