Fini Straubinger tinha cerca de nove anos quando levou um grande tombo nas escadas do prédio onde ficava sua residência –tão grande que ela chegou a despencar do terceiro para o segundo andar! –nos dias decorrentes, a menina sofreu de fortes dores de cabeça, mas o pior viria anos mais tarde: Aos quinze anos, ela começou a ficar cega (!) e aos dezoito, completamente surda (!!).
Fini Straubinger é também, do alto de seus 56
anos de idade, a protagonista deste árduo documentário, concebido por Werner
Herzog em 1971, dedicado a elucidar as circunstâncias inóspitas com as quais
tentam viver as pessoas que sofrem simultaneamente da mais completa deficiência
auditiva e visual –leia-se, são cegas e surdas –a viver, portanto, num mundo
isolado de imagens e comunicação.
É, à princípio, uma situação quase inconcebível
para indivíduos comuns, e Herzog vale-se muito da pouca informação que se tem
sobre isso para tornar seu filme fascinante. E necessário também: Nos percalços
que acompanhamos, Fini Straubinger é convertida numa espécie de guia da
narrativa. Através dela, descobrimos maiores detalhes sobre sua dolorosa
superação –como ela atravessou a amargura do isolamento e a impotência inerente
à sua condição para conseguir comunicar-se –e sobre a missão de vida que ela
passou então a tomar como sua: A busca para livrar outros, acometidos pela
mesma celeuma, da inércia, da infelicidade e do distanciamento.
Assim, em meio aos casos que nos são
apresentados ao longo do filme, acompanhados pela própria Fini, três deles
fazem uma curiosa observação subliminar da parte de Herzog: Os dois jovens,
nascidos já cegos e surdos –e cujos conceitos de felicidade, orgulho ou
tristeza, como afirma um dos especialistas, somos incapazes de presumir –os quais
passam por um dedicado processo de aprendizado a fim de construírem uma mínima
capacidade de interação; o caso do jovem, também nascido cego e surdo, mas que
não recebeu qualquer orientação do pai, o único que lhe criou, o que tornou o
rapaz um indivíduo de comportamentos alheios e ilegíveis; e, por fim, o rapaz
nascido surdo, mas que também perdeu a visão com o tempo, o que levou-o, mais
tarde (graças inclusive à negligência familiar), a perder também a capacidade
de falar e de escrever. Justapostos em alarmantes ênfases a essa aflição
silenciosa, esses casos parecem deixar clara a importância que a linguagem tem
para a formação da personalidade e do intelecto, inclusive no que diz respeito
ao desenvolvimento da consciência de elementos abstratos como a solidão, ou
mesmo de valores absolutos como o bem e o mal.
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