Que filmaço noir este “Torrentes de Paixão”, dirigido por Henry Hathaway (da primeira versão de “Bravura Indômita”). Nele, as Cataratas do Niágara servem como exuberante pano de fundo e oferecem até mesmo uma certa analogia filosófica à trama de adultério, desengano e tragédia que se descortina.
Surpreendendo em uma personagem séria pouco
relacionada a ela (mas, ainda assim, extraordinariamente sensual e
irresistível), Marilyn Monroe vive Rose Loomis, casada com George, personagem a
quem Joseph Cotten empresta todos os maneirismos de identificável paranóia,
aflição e inquietação de obras como “Soberba”.
Passando uma temporada num resort com vista para as famosas cataratas –mesmo local de sua
outrora lua-de-mel –o casal Loomis logo recebe a companhia do casal Cutler, Ray
(Max Showalter) e Polly (Jean Peters, de “Fonte dos Desejos”). Pela natureza
bem mais afável desses personagens, Ray e Polly são empregados como os olhos da
plateia pela narrativa; única maneira da direção de Hathaway desvencilhar-se do
excessivo teor fatalista que contamina seus personagens.
George é um homem atormentado, e Rose deveras
não exerce seu papel de esposa na intenção de livrá-lo dos seus tormentos.
Muito pelo contrário: O desapego de Rose faz dela a cúmplice num golpe
iminente, o assassinato premeditado de George a ser praticado por seu eventual
amante, Patrick (Richard Allan).
Todavia, a espiral de traições e reviravoltas
que compõem o filme de Hathaway não permite que os planos antecipados se
sucedam com tranquilidade –e para o espanto de Rose, seu marido bipolar e
emocionalmente manipulável consegue demonstrar brio quando encurralado pelo
amante. As dinâmicas se transformam com relativa elegância: Agora é Rose quem
se vê ameaçada de morte, enquanto os Cutler pairam alheios, na maior parte do tempo, a esses
eventos; ao menos, Ray, o marido, pois, Polly, a esposa, se vê oscilar entre
uma ensaiada amizade com Rose e a suspeita de que George pode ter lá suas
razões.
Entretanto, no filme de Hathaway não existem
bons nem maus, como toca o preceito de ambiguidade que orienta o gênero noir –de uma forma ou de outra, todos os
indivíduos que representam terem sido extraídos desse gênero em direção àquele
improvável cenário turístico estarão condenados ao castigo que lhes é devido.
Essa interessante postura moral –reforçada em
códigos correspondentes que contrapõe luz e sombras em diversas cenas da hábil
fotografia em technicolor –encontra reflexo também no próprio desenvolvimento
inesperado de seus personagens: As mulheres, sobretudo, prevalecem como
exemplos de força e convicção –seja a justa e firme (ainda que um pouco
indulgente) mocinha Jean Peters; seja e sensacional Marilyn Monroe que, como
loira fatal num suspense ou loira avoada numa comédia, arrebata em igual medida
–enquanto os homens são erráticos, irrelevantes, fracos ou falhos –caso não só
do apático Joseph Cotten (que parece propositadamente incapaz de conquistar a
plateia com a facilidade que a ardilosa personagem de Marilyn Monroe o faz),
mas também de Max Showalter que, do início ao fim, revela-se um coadjuvante
negacionista e irritantemente patético, e do amante vivido por Richard Allan,
cuja passagem fugaz pela trama acaba sendo uma das surpresas da premissa.
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