sexta-feira, 16 de julho de 2021

Torrentes de Paixão



 Que filmaço noir este “Torrentes de Paixão”, dirigido por Henry Hathaway (da primeira versão de “Bravura Indômita”). Nele, as Cataratas do Niágara servem como exuberante pano de fundo e oferecem até mesmo uma certa analogia filosófica à trama de adultério, desengano e tragédia que se descortina.

Surpreendendo em uma personagem séria pouco relacionada a ela (mas, ainda assim, extraordinariamente sensual e irresistível), Marilyn Monroe vive Rose Loomis, casada com George, personagem a quem Joseph Cotten empresta todos os maneirismos de identificável paranóia, aflição e inquietação de obras como “Soberba”.

Passando uma temporada num resort com vista para as famosas cataratas –mesmo local de sua outrora lua-de-mel –o casal Loomis logo recebe a companhia do casal Cutler, Ray (Max Showalter) e Polly (Jean Peters, de “Fonte dos Desejos”). Pela natureza bem mais afável desses personagens, Ray e Polly são empregados como os olhos da plateia pela narrativa; única maneira da direção de Hathaway desvencilhar-se do excessivo teor fatalista que contamina seus personagens.

George é um homem atormentado, e Rose deveras não exerce seu papel de esposa na intenção de livrá-lo dos seus tormentos. Muito pelo contrário: O desapego de Rose faz dela a cúmplice num golpe iminente, o assassinato premeditado de George a ser praticado por seu eventual amante, Patrick (Richard Allan).

Todavia, a espiral de traições e reviravoltas que compõem o filme de Hathaway não permite que os planos antecipados se sucedam com tranquilidade –e para o espanto de Rose, seu marido bipolar e emocionalmente manipulável consegue demonstrar brio quando encurralado pelo amante. As dinâmicas se transformam com relativa elegância: Agora é Rose quem se vê ameaçada de morte, enquanto os Cutler pairam  alheios, na maior parte do tempo, a esses eventos; ao menos, Ray, o marido, pois, Polly, a esposa, se vê oscilar entre uma ensaiada amizade com Rose e a suspeita de que George pode ter lá suas razões.

Entretanto, no filme de Hathaway não existem bons nem maus, como toca o preceito de ambiguidade que orienta o gênero noir –de uma forma ou de outra, todos os indivíduos que representam terem sido extraídos desse gênero em direção àquele improvável cenário turístico estarão condenados ao castigo que lhes é devido.

Essa interessante postura moral –reforçada em códigos correspondentes que contrapõe luz e sombras em diversas cenas da hábil fotografia em technicolor –encontra reflexo também no próprio desenvolvimento inesperado de seus personagens: As mulheres, sobretudo, prevalecem como exemplos de força e convicção –seja a justa e firme (ainda que um pouco indulgente) mocinha Jean Peters; seja e sensacional Marilyn Monroe que, como loira fatal num suspense ou loira avoada numa comédia, arrebata em igual medida –enquanto os homens são erráticos, irrelevantes, fracos ou falhos –caso não só do apático Joseph Cotten (que parece propositadamente incapaz de conquistar a plateia com a facilidade que a ardilosa personagem de Marilyn Monroe o faz), mas também de Max Showalter que, do início ao fim, revela-se um coadjuvante negacionista e irritantemente patético, e do amante vivido por Richard Allan, cuja passagem fugaz pela trama acaba sendo uma das surpresas da premissa.

Pode-se então afirmar que Henry Hathaway promove assim um subversão do noir, por meio de algumas mudanças sutis –sua transgressão moral de ordem narrativa –e outras mais escancaradas –o cenário grandioso e onipresente (e barulhento!) das cataratas, além da fotografia colorizada (a maioria dos noir eram em preto & branco) onde se destacam os vestidos de berrante sensualidade usados por Marilyn.

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