segunda-feira, 19 de julho de 2021

O Corvo


 É perfeitamente justo e cabível afirmar que “O Corvo”, de Alex Proyas, não seria o filme que é sem a trágica morte de seu ator principal, Brandon Lee. Ele ainda assim seria um grande filme? Provavelmente. E certamente, Brandon teria uma carreira fulgurante a julgar pelo imenso potencial que ele demonstra aqui. Entretanto, quis o destino que uma das grandes ironias trágicas, dessas que volta e meia assombram o cinema, se sucedesse em meio às suas filmagens: Numa cena de tiroteio –da qual alguns trechos estão no filme –uma arma de verdade foi confundida com as pistolas de festim que deveriam ser usadas, e o tiro real acabou tirando a vida do astro.

Sem seu protagonista e com as filmagens em andamento, os realizadores tiveram o desafio de encerrar o filme usando de vários artifícios que iam desde os manjados efeitos visuais para simular a presença de Brandon Lee (ainda que nos anos 1990 de então, eles não fossem capazes de operar milagres como a ressurreição de Peter Cushing em “Rogue One”), passando por um uso combinado de dublês, enquadramentos de câmeras rebuscados e fotografia propositadamente escura (recurso evidentemente mais utilizado em inúmeros momentos) e até nos inevitáveis manejos de roteiro (onde vários momentos-chave, nos quais a presença de Brandon era crucial, foram reescritos, modificados ou suprimidos a fim de contornar sua ausência). A curiosidade mórbida em torno desse detalhe –muito difundido à época do lançamento –levou muitas pessoas a conferir o filme, transformando-o num inesperado fenômeno, mas foi sua qualidade intrínseca que o tornou um cult-movie com o passar dos anos.

Embriagado de uma identidade visual que remete ao tom interiorizado e sombrio do “Batman”, de Tim Burton, o diretor Alex Proyas (que reaproveitou esse estilo no também cultCidade das Sombras”) adapta uma história em quadrinhos bem mais obscura, de autoria de James O’Barr. Nela, um corvo tem o poder de trazer os mortos de volta à vida. É o que acontece, na véspera do Dia das Bruxas, com o atormentado Eric Draven (o ótimo Brandon Lee que, à propósito, era também filho do lendário Bruce Lee), rapaz assassinado um ano antes ao lado da noiva. De volta ao mundo dos vivos, Eric logo descobre ter alguns superpoderes com os quais é capaz de vingar sua morte e a de sua amada, caçando um a um todos os criminosos envolvidos em seu assassinato, e ainda corrigir algumas injustiças que aquele crime deixou, como o abandono da pequena Sarah (Rochelle Davis) e a desilusão do Detetive Albrecht (Ernie Hudson, de “Os Caça-Fantasmas”).

Contudo, ao escolher fulminar bandidos arbitrariamente, Eric poderá colidir com o perigoso chefão do crime do lugar, o tenebroso Top Dollar (Michael Wincott, ator atrelado a infindáveis papéis vilanescos naquela década).

É difícil (e, no final das contas, até inútil) especular quão diferente “O Corvo” seria se Brandon Lee não tivesse morrido durante suas filmagens. O estilo visual e a atmosfera densa do diretor Alex Proyas talvez ainda fossem os mesmos, mas muito dessas escolhas aparentam terem sido consequências disso –e por conta delas, “O Corvo” ostenta toda a fatalidade e carga dramática que só seria devidamente assimilada por adaptações de histórias em quadrinhos no início da década seguinte. É também fonte de intermináveis teorias (inclusive de natureza esotérica e/ou metafísica) o fato de Brandon Lee ter repetido os mesmos percalços fatídicos de seu pai, Bruce (que também morreu tragicamente, em circunstâncias nebulosas, no auge do estrelato, nas filmagens do cultOperação Dragão”). Além de tudo isso, sabe-se também que sequências inteiras de “O Corvo” serviram como referência ao diretor Christopher Nolan em diversas cenas com o Coringa em “Batman-O Cavaleiro das Trevas” onde, também se sabe, o ator Heath Ledger veio a falecer após interpretar esse personagem.

Esse viés trágico, triste e fatalista permeia todo o filme, e Alex Proyas não faz a menor questão de escondê-lo, na realidade, a despeito das cenas que ocasionalmente soam incompletas, ou breves demais, ou elípticas demais, é dessa percepção algo mórbida que “O Corvo” tira sua força. Muitas de suas cenas estão lá menos como uma contribuição à narrativa (embora sua construção seja admiravelmente enxuta) e mais como um tributo à Brandon Lee, um talento promissor que nos foi levado cedo demais, e uma vida humana, perdida de maneira tão absurda quanto insensata.

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