É perfeitamente justo e cabível afirmar que “O Corvo”, de Alex Proyas, não seria o filme que é sem a trágica morte de seu ator principal, Brandon Lee. Ele ainda assim seria um grande filme? Provavelmente. E certamente, Brandon teria uma carreira fulgurante a julgar pelo imenso potencial que ele demonstra aqui. Entretanto, quis o destino que uma das grandes ironias trágicas, dessas que volta e meia assombram o cinema, se sucedesse em meio às suas filmagens: Numa cena de tiroteio –da qual alguns trechos estão no filme –uma arma de verdade foi confundida com as pistolas de festim que deveriam ser usadas, e o tiro real acabou tirando a vida do astro.
Sem seu protagonista e com as filmagens em
andamento, os realizadores tiveram o desafio de encerrar o filme usando de
vários artifícios que iam desde os manjados efeitos visuais para simular a
presença de Brandon Lee (ainda que nos anos 1990 de então, eles não fossem
capazes de operar milagres como a ressurreição de Peter Cushing em “Rogue One”),
passando por um uso combinado de dublês, enquadramentos de câmeras rebuscados e
fotografia propositadamente escura (recurso evidentemente mais utilizado em
inúmeros momentos) e até nos inevitáveis manejos de roteiro (onde vários
momentos-chave, nos quais a presença de Brandon era crucial, foram reescritos,
modificados ou suprimidos a fim de contornar sua ausência). A curiosidade
mórbida em torno desse detalhe –muito difundido à época do lançamento –levou
muitas pessoas a conferir o filme, transformando-o num inesperado fenômeno, mas
foi sua qualidade intrínseca que o tornou um cult-movie com o passar dos anos.
Embriagado de uma identidade visual que remete
ao tom interiorizado e sombrio do “Batman”, de Tim Burton, o diretor Alex
Proyas (que reaproveitou esse estilo no também cult “Cidade das Sombras”) adapta uma história em quadrinhos bem
mais obscura, de autoria de James O’Barr. Nela, um corvo tem o poder de trazer
os mortos de volta à vida. É o que acontece, na véspera do Dia das Bruxas, com
o atormentado Eric Draven (o ótimo Brandon Lee que, à propósito, era também
filho do lendário Bruce Lee), rapaz assassinado um ano antes ao lado da noiva.
De volta ao mundo dos vivos, Eric logo descobre ter alguns superpoderes com os
quais é capaz de vingar sua morte e a de sua amada, caçando um a um todos os
criminosos envolvidos em seu assassinato, e ainda corrigir algumas injustiças
que aquele crime deixou, como o abandono da pequena Sarah (Rochelle Davis) e a
desilusão do Detetive Albrecht (Ernie Hudson, de “Os Caça-Fantasmas”).
Contudo, ao escolher fulminar bandidos
arbitrariamente, Eric poderá colidir com o perigoso chefão do crime do lugar, o
tenebroso Top Dollar (Michael Wincott, ator atrelado a infindáveis papéis
vilanescos naquela década).
É difícil (e, no final das contas, até inútil)
especular quão diferente “O Corvo” seria se Brandon Lee não tivesse morrido
durante suas filmagens. O estilo visual e a atmosfera densa do diretor Alex
Proyas talvez ainda fossem os mesmos, mas muito dessas escolhas aparentam terem
sido consequências disso –e por conta delas, “O Corvo” ostenta toda a
fatalidade e carga dramática que só seria devidamente assimilada por adaptações
de histórias em quadrinhos no início da década seguinte. É também fonte de
intermináveis teorias (inclusive de natureza esotérica e/ou metafísica) o fato
de Brandon Lee ter repetido os mesmos percalços fatídicos de seu pai, Bruce
(que também morreu tragicamente, em circunstâncias nebulosas, no auge do
estrelato, nas filmagens do cult
“Operação Dragão”). Além de tudo isso, sabe-se também que sequências inteiras
de “O Corvo” serviram como referência ao diretor Christopher Nolan em diversas
cenas com o Coringa em “Batman-O Cavaleiro das Trevas” onde, também se sabe, o
ator Heath Ledger veio a falecer após interpretar esse personagem.
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