Em 1982, um ano depois daquele que é considerado seu grande trabalho em cinema (o contagiante “Os SaltimbancosTrapalhões”), a trupe formada por Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias trouxe de volta o roteirista Gilvan Pereira e o diretor J.B. Tanko para a realização de mais uma obra nos moldes daquela gloriosa fase onde não só eram verdadeiros gigantes das bilheterias nacionais, como também podiam vislumbrar o sonho de fazer cinema de cada vez mais alta qualidade. Se esse intento não é atingido em sua plenitude, ao menos, há disposição de sobra em “Os Vagabundos Trapalhões” para tanto.
Poucos dentre o público haverão de saber disso,
mas, “Os Vagabundos Trapalhões” é, na realidade, uma continuação (!): Em 1969
(quando sequer o grupo Os Trapalhões estava estabelecido), Renato Aragão havia
estrelado seu primeiro filme como protagonista, “Bonga-O Vagabundo”, no qual
interpretava um morador de rua atrapalhado e de bom coração, concebido com
elementos chaplinianos e que serviu de experimento para a posterior criação do
personagem Didi Mocó, com o qual veio a fazer sucesso na TV e no cinema.
Pois, nesta obra de 1982, Renato Aragão volta a
interpretar Bonga (é notável uma certa fidelidade visual da parte do figurino
do personagem), desta vez, cercado por todas as características já habituais
dos filmes dos Trapalhões –inclusive, tendo Dedé, Mussum e Zacarias como
coadjuvantes.
Na trama, Bonga e a trupe que lhe cerca
(incluindo aí uma espécie de “noiva” dele, vivida por uma jovem e bonita Louise
Cardoso, de “Matou A Família e Foi Ao Cinema”) são, todos, mendigos moradores
de uma caverna (!). Na cena inicial, eles observam os atropelos e neuroses de
uma cidade grande e seus moradores estressados e assalariados, num inocente
alívio por não serem como eles.
Os quatros estão numa cruzada cujos objetivos,
uma vez postos em palavras, soam um bocado implausíveis: A caverna onde vivem
está sempre abarrotada de menores de rua. Assim sendo, Bonga protela o momento
de enfim casar-se com Loló (a personagem de Louise Cardoso) até que todas
aquelas crianças tenham ganhado um lar adequado. Para tanto, como é visto nos
no início, todos eles lançam mão de diversos estratagemas questionáveis aos
dias de hoje (como atropelamentos simulados) para fazer com que algumas
daquelas crianças sejam adotadas.
Entretanto, quanto mais esses vagabundos
trapalhões criam situações para as crianças ganharem um lar, mais dessas mesmas
crianças aparecem, dia após dia, em sua caverna –o roteiro do filme se baseia
nas altas estatísticas, alarmantes já naqueles tempos, de crianças abandonadas
nas ruas de São Paulo.
É quando surge então, o garoto Pedrinho (Fábio
Villa Verde), no início, uma criança aparentemente como todas as outras,
afirmando que estava esperando pelo “Batman” (?!). Entretanto, Pedrinho não é uma
criança pobre como as demais: Filho do empresário Ricardo (Edson Celulari), que
mal tem tempo para vê-lo, Pedrinho sofre de tal negligência paterna que prefere
fugir da mansão onde mora e viver numa caverna, sonhando com super-heróis que
venham fazer por ele o que seu pai não faz.
Sem uma história muito clara para ser contada
–o filme de Tanko se resume ao humor físico e à muita correria definindo grande
parte de suas cenas –“Os Vagabundos Trapalhões” se mantém mais a partir das dinâmicas
entre os personagens que vão surgindo, e pelo fato gradual de que todos estão
entrelaçados uns aos outros, ainda que nem sempre a narrativa entregue essas
revelações no momento mais adequado. Há, por exemplo, a jovem e bela Prof.
Juliana (Denise Dumont, maravilhosa), que aparece à procura de Pedrinho, e
desperta ciúmes em Loló na medida em que realiza alguns flertes pueris com
Bonga (os quais revelam um aspecto cafajeste e despercebido dele), quando na
verdade está enamorada mesmo de Ricardo.
Há ainda um esnobe almofadinha pretendente de
Juliana –dono de uma discoteca onde os Trapalhões promovem, em dado momento,
uma grande confusão –personagem este plantado para ser o mero ‘vilãozinho da
vez’, cujos capangas proporcionam o providencial clímax do desfecho, onde
Pedrinho é sequestrado por eles em busca da recompensa, e então todos os
personagens principais se encontram –é quando então, temos a revelação de que
Ricardo é, na realidade, filho de Bonga (!), e este é, portanto, dono de toda
sua fortuna (!!).
O porque de Bonga renegar estranhamente sua
riqueza e seu filho nunca é devidamente esclarecido –e suponho ter relação com
algumas referências cinematográficas de Renato Aragão, como “O Garoto”, de
Chaplin, e “A Nós A Liberdade”, além de talvez ser algo que remete à própria
trama de “Bonga-O Vagabundo”, do qual, admito, não lembro muita coisa... (o que
me recordo é que há, sim, o personagem de um menino chamado Ricardo que talvez
seja o mesmo vivido aqui por Celulari)
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