quarta-feira, 21 de julho de 2021

Os Vagabundos Trapalhões


 Em 1982, um ano depois daquele que é considerado seu grande trabalho em cinema (o contagiante “Os SaltimbancosTrapalhões”), a trupe formada por Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias trouxe de volta o roteirista Gilvan Pereira e o diretor J.B. Tanko para a realização de mais uma obra nos moldes daquela gloriosa fase onde não só eram verdadeiros gigantes das bilheterias nacionais, como também podiam vislumbrar o sonho de fazer cinema de cada vez mais alta qualidade. Se esse intento não é atingido em sua plenitude, ao menos, há disposição de sobra em “Os Vagabundos Trapalhões” para tanto.

Poucos dentre o público haverão de saber disso, mas, “Os Vagabundos Trapalhões” é, na realidade, uma continuação (!): Em 1969 (quando sequer o grupo Os Trapalhões estava estabelecido), Renato Aragão havia estrelado seu primeiro filme como protagonista, “Bonga-O Vagabundo”, no qual interpretava um morador de rua atrapalhado e de bom coração, concebido com elementos chaplinianos e que serviu de experimento para a posterior criação do personagem Didi Mocó, com o qual veio a fazer sucesso na TV e no cinema.

Pois, nesta obra de 1982, Renato Aragão volta a interpretar Bonga (é notável uma certa fidelidade visual da parte do figurino do personagem), desta vez, cercado por todas as características já habituais dos filmes dos Trapalhões –inclusive, tendo Dedé, Mussum e Zacarias como coadjuvantes.

Na trama, Bonga e a trupe que lhe cerca (incluindo aí uma espécie de “noiva” dele, vivida por uma jovem e bonita Louise Cardoso, de “Matou A Família e Foi Ao Cinema”) são, todos, mendigos moradores de uma caverna (!). Na cena inicial, eles observam os atropelos e neuroses de uma cidade grande e seus moradores estressados e assalariados, num inocente alívio por não serem como eles.

Os quatros estão numa cruzada cujos objetivos, uma vez postos em palavras, soam um bocado implausíveis: A caverna onde vivem está sempre abarrotada de menores de rua. Assim sendo, Bonga protela o momento de enfim casar-se com Loló (a personagem de Louise Cardoso) até que todas aquelas crianças tenham ganhado um lar adequado. Para tanto, como é visto nos no início, todos eles lançam mão de diversos estratagemas questionáveis aos dias de hoje (como atropelamentos simulados) para fazer com que algumas daquelas crianças sejam adotadas.

Entretanto, quanto mais esses vagabundos trapalhões criam situações para as crianças ganharem um lar, mais dessas mesmas crianças aparecem, dia após dia, em sua caverna –o roteiro do filme se baseia nas altas estatísticas, alarmantes já naqueles tempos, de crianças abandonadas nas ruas de São Paulo.

É quando surge então, o garoto Pedrinho (Fábio Villa Verde), no início, uma criança aparentemente como todas as outras, afirmando que estava esperando pelo “Batman” (?!). Entretanto, Pedrinho não é uma criança pobre como as demais: Filho do empresário Ricardo (Edson Celulari), que mal tem tempo para vê-lo, Pedrinho sofre de tal negligência paterna que prefere fugir da mansão onde mora e viver numa caverna, sonhando com super-heróis que venham fazer por ele o que seu pai não faz.

Sem uma história muito clara para ser contada –o filme de Tanko se resume ao humor físico e à muita correria definindo grande parte de suas cenas –“Os Vagabundos Trapalhões” se mantém mais a partir das dinâmicas entre os personagens que vão surgindo, e pelo fato gradual de que todos estão entrelaçados uns aos outros, ainda que nem sempre a narrativa entregue essas revelações no momento mais adequado. Há, por exemplo, a jovem e bela Prof. Juliana (Denise Dumont, maravilhosa), que aparece à procura de Pedrinho, e desperta ciúmes em Loló na medida em que realiza alguns flertes pueris com Bonga (os quais revelam um aspecto cafajeste e despercebido dele), quando na verdade está enamorada mesmo de Ricardo.

Há ainda um esnobe almofadinha pretendente de Juliana –dono de uma discoteca onde os Trapalhões promovem, em dado momento, uma grande confusão –personagem este plantado para ser o mero ‘vilãozinho da vez’, cujos capangas proporcionam o providencial clímax do desfecho, onde Pedrinho é sequestrado por eles em busca da recompensa, e então todos os personagens principais se encontram –é quando então, temos a revelação de que Ricardo é, na realidade, filho de Bonga (!), e este é, portanto, dono de toda sua fortuna (!!).

O porque de Bonga renegar estranhamente sua riqueza e seu filho nunca é devidamente esclarecido –e suponho ter relação com algumas referências cinematográficas de Renato Aragão, como “O Garoto”, de Chaplin, e “A Nós A Liberdade”, além de talvez ser algo que remete à própria trama de “Bonga-O Vagabundo”, do qual, admito, não lembro muita coisa... (o que me recordo é que há, sim, o personagem de um menino chamado Ricardo que talvez seja o mesmo vivido aqui por Celulari)

Ao fim, após algumas amarrações imperfeitas dos arcos dramáticos de todos os personagens, vemos então Bonga, ao lado de sua leal companheira Loló, seguindo solitários (e deliberadamente pobres!) pela estrada, numa sensação de missão cumprida –o que não impede a narrativa de valer-se de uma convencional trilha de piano melodramática. É um final que vem de encontro ao processo criativo dos Trapalhões em geral e de Renato Aragão em particular, sobretudo, naquele período em que miravam um cinema mais qualitativo e melhor, no entanto, observado hoje, esse encerramento idealmente romantizado não justifica plenamente suas circunstâncias (afinal, Bonga optou pela pobreza sem justificativa, abandonando filho e neto, e condenando a noiva à essas privações sem sequer oferecer uma razão) soando mais como uma descabida massagem de ego para Renato Aragão.

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