Este é um filme que pertence a outra época,
talvez mais solar e mais inocente que esta daqui, onde os filmes não eram
avaliados com a intensidade impiedosa à luz da necessidade de relevância que se
utiliza hoje, em grande medida, no cinema nacional.
Eram meados de 1981 e os Trapalhões –formados por
Renato Aragão (o Didi), Dedé, o inesquecível Mussum e o sensacional Zacarias –eram verdadeiros gigantes das
telas: A de TV e a de cinema.
O sucesso de público que seus filmes, naquele
período, obtinham, não excluía a possibilidade de agregar valor como cinema, e
esse fator predominou, sobretudo nos filmes realizados por J.B. Tanko. É unanimidade
entre muitos que “Saltimbancos Trapalhões” seja, dentre todos, o melhor.
Talvez, não seja esse o predicado adequado: Co-roteirizado por Tanko, a partir
de um argumento de Chico Buarque de Holanda, e contando inclusive com um
exuberante repertório de músicas compostas por este, que abrilhantam
pontualmente a narrativa, este trabalho é certamente o mais cinematográfico dos
filmes dos Trapalhões.
Acompanhamos os quatro protagonistas em uma
vida miserável estrada afora, até que encontram trabalho como empregados em um
circo mambembe. Casualmente, as trapalhadas do quarteto (que se sucedem dentro
e fora do picadeiro) provocam um aumento na bilheteria do circo, mas seu dono
ganancioso, aliado ao carrancudo mágico, desejam explorá-los até não poder mais
(as seqüências em que passam fome comendo, paulatinamente o mesmo macarrão sem
molho dia após dia são impagáveis).
Enquanto sobrevivem à essa dura vida, Didi
enamora-se justamente da filha do dono do circo (Lucinha Lins, belíssima), por
quem atreve-se a alimentar sonhos e esperanças românticas, ignorante do fato de
que ela já está apaixonada por outro rapaz.
O registro de Tanko da vida no circo, guardadas
as devidas proporções, é precioso, vale-se de um critério de encenação
inspirado, cheio de referências plenas em termos de inventividade e sobretudo,
empatia. Num determinado ponto da história, o grupo de personagens que mais
catalisa as afeições do expectador (justamente os quatro trapalhões e Lucinha)
foge do circo, aventurando-se pela cidade grande, dando oportunidade para Tanko
abrir o escopo e mostrar que existem muito mais do que piadas enfileiradas em
seu roteiro: As ilusões, a música que atenua a dor da alma, em contraponto à
miséria onipresente, é um dos elementos que surgem quase como um toque de
mestre a abrilhantar a narrativa, remetendo muito poderosamente à Charles
Chaplin (uma das influências supremas de Renato Aragão) é à Fellini.
Mas as músicas de Chico Buarque são um caso à
parte: Elas conferem textura, subtexto, harmonia e melodia ao todo, levando o
expectador que assiste ao filme até os mais diversos humores, comentando a narrativa
com ênfases inesperadas e dando às trapalhadas da famosa trupe um sabor que
torna este filme, em meio à tantos que eles fizeram, um trabalho singular.
O final, quando os sonhos de amor do
protagonista são despedaçados, tem um travo poderoso e inesperadamente triste,
mas é justamente isso, junto com toda a maestria fascinante do que veio antes,
que torna esta uma obra única entre os filmes dos Trapalhões.
Assisti-lo é como rever um pedaço da própria infância, todo ele embriagado com aquela atmosfera indefinível de inocência e assombro, de graça e leveza, que em algum momento o cinismo nos fez perder a capacidade de apreciar.
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