sexta-feira, 23 de julho de 2021

Os Homens Preferem As Loiras


 Nesses tempos em que filmes são revistos por trazerem em suas premissas a objetificação da mulher, o clássico “Os Homens Preferem As Loiras” ocupa uma posição ostensiva –bem como muitos trabalhos da carreira de Marilyn Monroe. Todavia, se neste trabalho de Howard Hawks temos duas garotas protagonistas, dentre as quais uma surge abertamente interessada no dinheiro de seu pretendente (adivinhe por quem ela é interpretada...), por outro lado, temos também um filme construído todo em torno de duas personagens femininas fortes, emancipadas, donas de seus destinos, a deixar os homens todos submissos a elas.

Algo inevitável quando se tem Jane Russell (de “Nas Garras da Ambição”) e, principalmente, Marilyn Monroe em cena. Na sequência inicial, quando aparecem cantando “Two Little Girls From Little Rock”, descobrimos que ambas são dançarinas numa casa de shows; descobrimos também o avassalador sex-appeal que as duas haverão de exibir, orgulhosas, ao longo de todo o filme.

Embora grandes amigas, Lorelei (Marilyn) e Dorothy (Jane) não poderiam ser mais diferentes: Lorelei, a loira, tem um assumido interesse em homens cuja conta bancária pode comprar aquilo que ela mais adora, diamantes (como fica mais que evidente na antológica cena em que ela canta “Diamonds Are A Girl’s Best Friend”), e para tanto, está noiva do aparvalhado Gus (Tommy Noonan); por sua vez, Dorothy, a morena, reluta à ideia de casar por dinheiro, afirmando que não se importa em desposar um homem pobre, desde que ele tenha atributos físicos o bastante para interessá-la.

Com o sogro tentando deter seu noivado, Lorelei tem uma viagem de navio marcada para Paris –onde sonha em finalmente casar-se com Gus –entretanto, o sogro lhe frustra os planos impedindo que Gus vá. Assim sendo, Lorelei embarca na companhia de Dorothy.

Uma vez a bordo, cada uma delas nutre planos distintos: Dorothy busca colocar um pouco de juízo na avoada Lorelei, embora esse objetivo fique um pouco de lado quando ela inicia seus flertes com os atletas de uma delegação esportiva; já, Lorelei pretende arrumar um marido para Dorothy, de preferência nos mesmos moldes do trouxa que arrumou para si mesma. Esses planos ganham um tempero de confusão quando vemos um misterioso investigador (Elliott Reid, de “Deu A Louca No Mundo”) espreitá-las no navio, interessado genuinamente em Dorothy, mas sempre com sua vigilância cravada em Lorelei, além do velho milionário (Charles Coburn, de “O Diabo e A Mulher”), proprietário –veja só! –de uma mina de diamantes que logo desperta os instintos oportunistas da irresistível Lorelei, bem como a desconfiada fúria da esposa dele.

Habilidoso, o diretor Howard Hawks alterna momentos de divertida comédia farsesca com maravilhosos números musicais, a emoldurar suas fabulosas estrelas, a medida que avança sua narrativa.

Ao chegar em Paris, as confusões que envolvem a loira e a morena só se intensificam, envolvendo os estratagemas do futuro sogro de Lorelei e uma tiara de diamantes dada de presente à ela (e que coloca a polícia francesa no encalço das duas!).

Não há dúvida de que o filme de Howard Hawks (um esteta competente cuja veia autoral foi capaz de se expressar nos mais variados gêneros que abordou), vale-se da sensualidade palpitante e exuberante das duas estrelas como chamariz ao público, entretanto, ainda que sempre insinuantes e provocativas, Marilyn e Jane brilham de ponta a ponta no filme, subvertendo inclusive os estereótipos a que são submetidas. E nesse sentido, ninguém é mais notável que a personagem de Marilyn Monroe: Lorelei envolve-se com seu noivo por assumido interesse na fortuna de seu pai, e não nega isso em momento algum do filme –além de, com frequência, se encaixar na pecha de ‘loira burra’ também –contudo, é indicativa da inteligência ferina do filme a cena em que ela confronta o próprio sogro, com um misto sensacional de ingenuidade e malícia, afirmando que, se por um lado mulheres escolhem maridos por suas contas bancárias (“O senhor deixaria sua filha se casar com um homem pobre?”), por outro, os homens escolhem as mulheres por sua beleza física, e nada mais.

Um questionamento surpreendente, saudável e impecável dos inúmeros juízos de valores que regem a guerra dos sexos e os jogos de sedução, abrilhantado por números musicais formidáveis e, acima de tudo, por uma dupla fenomenal de protagonistas. Dentre elas (embora a personagem de Jane Russell ganhe a colher de chá das fardas mais afiadas do roteiro), é necessário chamar Marilyn Monroe à frente: Confirmando o próprio título do filme, ela permite que seu carisma inesgotável, sua beleza acachapante e sua mescla singular de ternura, vulnerabilidade e libido a transformem na melhor coisa de todo o filme. E o faz parecendo que foi muito, muito fácil!

Nenhum comentário:

Postar um comentário