quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Fantasma 4 - O Pesadelo Continua


 Toda a turbulência vivenciada por Don Coscarelli para viabilizar a “Saga Fantasma” se percebe indiretamente nas facetas técnicas e artísticas ostentadas por cada um dos longa-metragens que a compõem, além do fato notório de que grandes períodos de tempo separam cada um desses capítulos.

Não obstante esses detalhes, Coscarelli foi hábil o bastante para amarrar todos os filmes com precisão, harmonia e certa coerência, permitindo que as eventuais diferenças entre um e outro soassem mais como pequenos detalhes fascinantes do que aquilo que poderiam realmente terem sido: Empecilhos.

Se o segundo filme trouxe, dentre toda a saga, o orçamento e os recursos mais abundantes, ele também acarretou a Don Coscarelli uma ligeira perda de sua liberdade criativa –ao mesmo tempo em que traz a maior variedade em efeitos visuais, prático e de maquiagem da saga, é aquele que apresenta as maiores intervenções de um estúdio, além do detalhe da troca de atores –já, o terceiro filme, equilibra-se entre ser conciliatório e autoral na medida em que agrega elementos comerciais da obra à qual dá continuidade e abre também espaço para seu autor enfim criar por conta própria. E é assim que chegamos, portanto, neste quarto filme, de longe, a continuação mais semelhante com o primeiro filme da saga em ritmo, atmosfera e lógica.

É aqui que Don Coscarelli devolve à “Fantasma” seu senso de mistério insolúvel, sua percepção abstrata de um terror mais denso e onírico, abrindo mão de cenas de ação e focando num clima quase opressor a cercar seus dois protagonistas.

Ao fim de “Fantasma 3” vimos Mike (Michael Baldwin) partir ao encontro do sinistro Tall Man (Angus Scrimm) disposto a por um fim, sabe-se lá como, à sua trajetória de maldade –algo que tem, no cenário assim sugerido do mundo onde a trama se passa, dizimado grande parte das cidades norte-americanas. Vimos também Reggie (Reggie Bannister) ser encurralado pelas já icônicas esferas prateadas do grande vilão da saga.

Basicamente, isso inicia e define todo o enredo que atravessa “Fantasma 4” do início ao fim: Uma grande sensação de transição onde acompanhamos Mike às voltas com seus pesadelos e lembranças enquanto se ocupa de uma viagem que parece nunca ter fim. E embora sempre enigmática, a narrativa criada aqui por Coscarelli joga indícios de uma possível origem para o Tall Man –ele teria sido um agente funerário humano e afável de nome Jebediah Morningside, até que uma obsessiva experiência com os limites do além-vida o transformou na criatura conhecida como Tall Man –além de trazer de volta alguns elementos do primeiro filme, como a aparição da velha vidente.

Notável por sua intuitiva qualidade artística em detrimento de um acabamento mais estético, “Fantasma 4” contorna seu baixíssimo orçamento (talvez o menor de toda a saga) com desenvoltura, no absorvente registro das trajetórias em paralelo de Mike e Reggie –que, durante boa parte da trama, nunca se encontram. Mike revê Jody (Bill Thornburry), seu irmão transformado numa das esferas à serviço do Tall Man –o que, portanto, o torna pouco confiável –enquanto Reggie, como nos demais filmes, torna a se envolver com uma mulher que vem a lhe trazer problemas: Aqui é a belíssima Jennifer (Heidi Marnhout) que proporciona ao pobre Reggie um tremendo apuro dentro de um quarto de motel abandonado.

Embora hajam informações preciosas acerca da mitologia “Fantasma” esboçada pela mente febril de Coscarelli –há até mesmo uma espécie de viagem no tempo, em determinado momento da história –a manobra mais surpreendente neste “Fantasma 4”, no entanto, vem a ser o emprego de cenas não aproveitadas do “Fantasma” de 1979, nas quais vemos Michael Baldwin, Reggie Bannister, Bill Thornburry e Angus Scrimm interpretando os mesmos personagens cerca de dezenove anos antes (e sendo assim, dezenove anos mais jovens!). Incluindo, a sequência final, extraordinariamente instigante e bem integrada à narrativa, elevando o nível de expectativa para o filme seguinte. O fato de uma cena tão antiga encaixar tão perfeitamente num filme feito quase vinte anos depois deixa dúvidas se foi um acaso feliz do destino ou fruto da astúcia do diretor Coscarelli.

Difícil saber, e talvez nem importe: O que vale mesmo é a obra empolgante, cheia de personalidade e originalidade com a qual foram, aqui, brindados os fãs do cinema de terror do mundo todo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário