Toda a turbulência vivenciada por Don Coscarelli para viabilizar a “Saga Fantasma” se percebe indiretamente nas facetas técnicas e artísticas ostentadas por cada um dos longa-metragens que a compõem, além do fato notório de que grandes períodos de tempo separam cada um desses capítulos.
Não obstante esses detalhes, Coscarelli foi
hábil o bastante para amarrar todos os filmes com precisão, harmonia e certa
coerência, permitindo que as eventuais diferenças entre um e outro soassem mais
como pequenos detalhes fascinantes do que aquilo que poderiam realmente terem
sido: Empecilhos.
Se o segundo filme trouxe, dentre toda a saga,
o orçamento e os recursos mais abundantes, ele também acarretou a Don Coscarelli
uma ligeira perda de sua liberdade criativa –ao mesmo tempo em que traz a maior
variedade em efeitos visuais, prático e de maquiagem da saga, é aquele que
apresenta as maiores intervenções de um estúdio, além do detalhe da troca de
atores –já, o terceiro filme, equilibra-se entre ser conciliatório e autoral na
medida em que agrega elementos comerciais da obra à qual dá continuidade e abre
também espaço para seu autor enfim criar por conta própria. E é assim que
chegamos, portanto, neste quarto filme, de longe, a continuação mais semelhante
com o primeiro filme da saga em ritmo, atmosfera e lógica.
É aqui que Don Coscarelli devolve à “Fantasma”
seu senso de mistério insolúvel, sua percepção abstrata de um terror mais denso
e onírico, abrindo mão de cenas de ação e focando num clima quase opressor a
cercar seus dois protagonistas.
Ao fim de “Fantasma 3” vimos Mike (Michael
Baldwin) partir ao encontro do sinistro Tall Man (Angus Scrimm) disposto a por
um fim, sabe-se lá como, à sua trajetória de maldade –algo que tem, no cenário
assim sugerido do mundo onde a trama se passa, dizimado grande parte das
cidades norte-americanas. Vimos também Reggie (Reggie Bannister) ser
encurralado pelas já icônicas esferas prateadas do grande vilão da saga.
Basicamente, isso inicia e define todo o enredo
que atravessa “Fantasma 4” do início ao fim: Uma grande sensação de transição
onde acompanhamos Mike às voltas com seus pesadelos e lembranças enquanto se
ocupa de uma viagem que parece nunca ter fim. E embora sempre enigmática, a
narrativa criada aqui por Coscarelli joga indícios de uma possível origem para
o Tall Man –ele teria sido um agente funerário humano e afável de nome Jebediah
Morningside, até que uma obsessiva experiência com os limites do além-vida o
transformou na criatura conhecida como Tall Man –além de trazer de volta alguns
elementos do primeiro filme, como a aparição da velha vidente.
Notável por sua intuitiva qualidade artística
em detrimento de um acabamento mais estético, “Fantasma 4” contorna seu
baixíssimo orçamento (talvez o menor de toda a saga) com desenvoltura, no absorvente
registro das trajetórias em paralelo de Mike e Reggie –que, durante boa parte
da trama, nunca se encontram. Mike revê Jody (Bill Thornburry), seu irmão
transformado numa das esferas à serviço do Tall Man –o que, portanto, o torna
pouco confiável –enquanto Reggie, como nos demais filmes, torna a se envolver
com uma mulher que vem a lhe trazer problemas: Aqui é a belíssima Jennifer
(Heidi Marnhout) que proporciona ao pobre Reggie um tremendo apuro dentro de um
quarto de motel abandonado.
Embora hajam informações preciosas acerca da
mitologia “Fantasma” esboçada pela mente febril de Coscarelli –há até mesmo uma
espécie de viagem no tempo, em determinado momento da história –a manobra mais
surpreendente neste “Fantasma 4”, no entanto, vem a ser o emprego de cenas não
aproveitadas do “Fantasma” de 1979, nas quais vemos Michael Baldwin, Reggie
Bannister, Bill Thornburry e Angus Scrimm interpretando os mesmos personagens
cerca de dezenove anos antes (e sendo assim, dezenove anos mais jovens!).
Incluindo, a sequência final, extraordinariamente instigante e bem integrada à
narrativa, elevando o nível de expectativa para o filme seguinte. O fato de uma
cena tão antiga encaixar tão perfeitamente num filme feito quase vinte anos
depois deixa dúvidas se foi um acaso feliz do destino ou fruto da astúcia do
diretor Coscarelli.
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