quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Frenesi


 Dos últimos trabalhos do mestre Alfred Hitchcock, “Frenesi” representou para ele a oportunidade de ousar de maneiras nunca antes experimentadas em sua carreira: Eram então os anos 1970, e a transgressão autoral e uma antes inimaginada propensão para a violência contaminava o cinema comercial já desde alguns exemplares dos anos 1960.

Há inclusive uma cena de estupro neste filme. Realizada com alto grau (na medida em que isso é possível) de requinte e sugestão, mas sem desvencilhar-se da liberdade criativa que permitia que o diretor finalmente empregasse todo o teor grotesco inerente ao ato.

Esta volta do diretor à sua Inglaterra natal (na qual não filmava havia muitos anos), é também uma volta ao mesmo fascínio mórbido e inquietante ostentado em “Psicose”: Aqui, Hitchcock torna a seguir interessadamente os passos de outro sociopata, Robert Rusk (Barry Foster, um reflexo masculino das loiras platinadas de filmes anteriores), cujo ímpeto para matar o leva a estuprar e a matar suas vítimas usando uma gravata –e tais ocorrências logo começam a alarmar a cidade de Londres.

Mais que a investigação paralela das autoridades em busca do criminoso, é o dia-a-dia do próprio criminoso em si, a forma com que lida com as pulsões de seu instinto homicida e até seus contratempos eventuais na realização de seus crimes (nesse sentido, há uma cena, particularmente muito similar à tentativa de afundar o carro no lago em “Psicose”) o que de fato interessa ao diretor, transformando “Frenesi” num inquietante registro de perversidades psicóticas tendo como cenário urbano os novos tempos de então. Cultural e cinematograficamente, é essa a proposta de Hitchcock: Vislumbrar o quando do mundo mudou em sua percepção e mentalidade, para compreendermos, paradoxalmente, o quando isso transformou a forma com que são absorvidos atos de vilania irrestrita como os vistos aqui, ainda que claramente, no modo com que os testemunhamos, e com que são percebidos dentro do audacioso cinema de Hitchcock, eles não tenham mudado em nada.

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