Embora seja visto como um clássico erótico nacional (e ele de fato é), “A Dama do Lotação”, de Neville D’Almeida, traz algumas distinções em relação à demanda de pornochanchadas daquele 1978 em que foi lançado, além das curvas pra lá de estonteantes de Sonia Braga: A predisposição para a análise antropológica do ser humano a ressaltar suas pulsões mais inesperadas e contraditórias de ordem sexual, oriunda do texto corrosivo de Nelson Rodrigues, e uma produção que salta aos olhos a enfatizar sua bela ambientação –pelo menos, até a proposta embutida na obra de D’Almeida arremessar a narrativa no mundo cão dos transportes públicos de então.
Amigos desde os tempos de infância, Solange
(Sonia Braga) e Carlos (Nuno Leal Maia) se casam, no entanto, tal e qual a
natureza eventual dos mais sórdidos contos eróticos, o casamento com alguém que
conhece desde criança não oferece palpitação genuína à mulher que, de início,
repele seu marido com indiferença. Na noite de núpcias, Carlos, cego de desejo,
força o sexo, estuprando Solange, o que leva ela a afastar-se ainda mais dele;
na rotina conjugal e doméstica que se segue, ela se mostra frígida, incapaz de
corresponder aos seus desejos, embora ainda afirme que o ama.
Dentro da dramaturgia cruel e inclemente de
Nelson Rodrigues, esse acúmulo de neuroses e traumas reprimidos irá se
expressar na deterioração da frágil relação social: Apesar das constantes
afirmações sobre sua convicção no matrimônio que mantêm, é impossível para
Solange conter a iniciativa que a leva a trair Carlos. E na hipocrisia
predominante na mentalidade de praticamente todos os personagens masculinos
–bem como no sex appeal imbatível de
uma Sonia Braga no auge da beleza –ela não tarda a encontrar homens para
satisfazer esses anseios: Solange trai Carlos, inicialmente, com o grande amigo
(e confidente!) dele, Assunção (Paulo César Pereio, que depois faria, com
Sonia, o ótimo “Eu Te Amo”), em seguida, com o próprio pai dele (!?!) (Jorge
Dória), numa cama de motel, para então, entregar-se ao motorista de ônibus
Bacalhau (Roberto Bonfim). A partir daí, Solange desenvolve o hábito de tomar
os ônibus mais lotados do circuito da cidade grande, atraindo o interesse de
homens que roçam seus corpos desavergonhadamente no dela, para então, no ponto mais
propício, desembarcarem e partirem para as vias de fato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário