quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Onda Nova


 Após o lançamento e a boa repercussão de “O Olho Mágico do Amor”, os diretores e roteiristas José Antonio Garcia e Ícaro Martins tiveram a ideia de dar corpo e voz à geração jovem de então, criando uma trama que abrangia a expressão de alguns movimentos ideológicos, de certos pensamentos vigentes, que capturasse uma certa mentalidade de seu tempo, e ainda envolvesse uma afiada percepção das novas tendências de cinema no mundo todo; algo que não se pode afirmar que eles tiveram êxito em conseguir.

O resultado dessas boas intenções, “Onda Nova”, é um filme incompleto, inconcluso, envaidecido dos próprios objetivos, falho em sua finalidade incerta e esquizofrênico no modo como salta de uma ideia à outra sem trilhar o caminho do bom senso ou da sutileza.

Como em “O Olho...”, aqui os diretores repetem as formidáveis (e deliciosas!) atrizes principais, Carla Camuratti e Tânia Alves –entretanto, se Carla é, de fato, a protagonista, Tânia, embora o começo acabe sugerindo alguma importância à sua personagem (e à de Regina Casé), ela não tarda a desaparecer de cena. Aqui, quem ocupa o centro das atenções são o time feminino que integra o Gaivota Futebol Clube, uma equipe de jovens garotas dispostas a provar seu valor enquanto mulheres numa área dominada pela prevalência masculina.

Ou assim eram, pelo menos, os planos iniciais: A narrativa logo deixa de lado as questões esportivas –que não apenas parecem pouco interessar aos realizadores como, nos parcos momentos em que deles ganha alguma atenção, evidencia sua total falta de conhecimento do assunto! –para se focar nas preferências, em sua maior parte de ordem sexual, de homens e mulheres, e com isso, estão em pauta os relacionamentos, os amores casuais, as desilusões e aventuras afetivas inerentes à juventude paulistana.

Ainda assim –apesar da proposta um tanto universal desse ponto de partida –Garcia e Martins comprometem sua produção tentando evocar elementos cinematográficos que lhes soavam fascinantes, empregados, porém, de forma um tanto aleatória: Na mesma época (1983), na Europa, jovens cineastas franceses, como Luc Besson, Jean-Jacques Beineix e Leos Carax chocavam a crítica com uma nova estética cinematográfica, transfiguradora da realidade que mesclava tendências do surrealismo de Buñuel, do espetáculo visual circense de Fellini e das histórias em quadrinhos européias. Não deixa de ser um gesto admirável que Garcia e Martins quisessem trazer essas mesmas características para seu cinema (além do udigrudi nacional da década anterior) refletindo uma realização de caráter jovem, inconformista, libertária, modernosa e pulsante.

Todavia, se na teoria isso soa promissor, na prática, o que resultou no filme “Onda Nova” é bem diferente: Sem maiores entendimentos dos elementos visuais empregados, a realização de Garcia e Martins parece uma tentativa de alienígenas presumindo o que seria a interação humana (!). Numa cena, a personagem de Cristina Mutarelli chega em casa e sua mãe lhe oferece uma pizza para comer; a fita de pizza em questão jaz derretida sobre um secador de cabelos industrial de salão de beleza no meio da sala (!?) sem maiores explicações –e diversas cenas de “Onda Nova” seguem nessa mesma estranha vibração, isso quando não resultam constrangedoras de fato.

Enfim, vamos ao enredo: Capitaneado pela belíssima negra Neneca (Neide Santos) que, aliás, dorme com o treinador (!), o Gaivotas Futebol Clube conta com jogadoras como Rita (Carla Camuratti), a novata Valentina (Cristina Bolzan), as amigas Vera (Vera Zimmermann) e Zita, a jovem Batata, a tresloucada Lili (Cristina Mutarelli, citada acima), e várias outras.

Cada uma estrela seu próprio drama: Protagonista frequente de desentendimentos com os pais (a mãe é vivida pelo comediante Patricio Bisso!), Lili sai de casa para morar um tempo no apartamento de Neneca enquanto não se decide por viver com o namorado Rui uma vez que ele tem tão poucas convicções heterossexuais estando a toda hora na companhia inseparável de Marcelo; Rita, que trabalha como dançarina no programa do Chacrinha (!!) vive de idas e vindas com seu namorado, tanto que, quando recebem uma negativa para transar no apartamento de Neneca, decidem-se por transar nas escadarias do prédio (!?!); Vera e Zita, num envolvimento lésbico, vivem um relacionamento, também ele de idas e vindas (mas, isso ao menos, rende uma bela cena da sexo à bordo de um fusca...), enquanto que Batata, após uma breve transa casual com um jogador do qual era fã, acaba grávida, precisando mobilizar as amigas para realizar um aborto, antes que seu pai (Ênio Gonçalves, de “Filme Demência”) venha a descobrir –essa questão em especial, da gravidez seguida de aborto, é bastante indicativa da superficialidade e da ausência de uma certa compreensão emocional com que todos os diversos tópicos acabam tratados neste filme.

Esse retrato geracional que estava nos planos acaba frustrado por sequências vazias de significado, e diálogos vergonhosos, interpretados com desleixo até mesmo pelo elenco profissional (que o diga então, as celebridades que fazem mera participação especial, como os jogadores Casagrande e Vladimir, o cantor Caetano Veloso e o narrador esportivo Osmar Santos), e tudo o que resta à obra de Garcia e Martins –e ao qual ela não desaponta –são as cenas de nudez e sexo, tão usuais ao cinema brasileiro de então. E elas são bem executadas (pois, o elenco feminino é composto por atrizes lindas, jovens e desinibidas), ora sugestivas, ora explícitas, e –veja só –tão inclusivas quanto diversificadas: Não apenas há cenas lésbicas como também homossexuais –por sinal, durante uma cena, é possível ver na parede um pôster original de “Star Wars-O Retorno de Jedi”, mas com o título inicialmente planejado por George Lucas, “Revenge Of Jedi”, e não “Return Of Jedi” como depois acabou se tornando!

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