Na comparação com obras do gênero de terror lançadas em sua mesma época, “Halloween”, de John Carpenter, é um filme contido, restrito à sugestão e até elegante –isso se pararmos para pensar que, nos anos que o antecederam, foram lançados “Aniversário Macabro”, “Quadrilha de Sádicos”, “A Vingança de Jennifer” e “O Massacre da Serra Elétrica”. O exploitation, em geral, ainda estava em voga nos EUA, e na Europa, ainda o giallo, embora já fosse o início da defasagem desse sub-gênero.
Cheio de boas intenções e, à luz de algumas
constatações relacionadas à época, o diretor John Carpenter nada mais quis do
que resgatar, para aqueles novos e transgressivos tempos, algumas lições de
sutileza e primazia deixadas pelo mestre Alfred Hitchcock, para quem prevalecia
sempre, antes de qualquer carnificina gratuita, a sensação de perigo, a
sugestão de ameaça, estabelecida por meio de um clima cuidadosamente
construído. E não deixa de haver até certa poesia no fato de que “Halloween”
traz, como protagonista, Jamie Lee Curtis, ela que é filha da atriz Janet Leigh
(de “Psicose”) com Tony Curtis: É John Carpenter, ao assumir a cadeira de
diretor, estabelecendo com seu filme uma indissociável relação com Alfred
Hitchcock, a influência inquestionável para todos os ramos do suspense que se
desdobraram a partir da década de 1970.
E “Halloween”, nada mais é que isso: Uma
gradual evolução dessa espécie específica de cinema; depois que Hitchcock
concebeu bases sob as quais construir essas narrativas, os italianos
acrescentaram sangue e o estilo ópera-bufa para moldar o giallo, e o cinema mundial como um todo valeu-se das libertinagens
criativas dos anos 1970 para agregar os ecos do exploitation, mas nos EUA, o que havia restado do suspense
convertido em giallo transformou-se,
por sua vez, em slasher. E o primeiro
dessa safra –que revelou-se abundante em produção nos anos 1980 –é “Halloween”.
Sua história tem início em 1963, quando
testemunhamos através de um inventivo e fascinante jogo de câmera –toda ela sob
o ponto de vista do jovem assassino que adentra a casa após espiar através das
janelas –o ainda pequeno Michael Meyers perpetrar seu primeiro assassinato: O
de sua irmã, Judith, pouco depois dela fazer sexo com seu namoradinho –e está
assim estabelecida uma das primeiras regras imutáveis do slasher, que não foi quebrada por nenhuma das sequências ou
imitações que vieram depois: Quando uma personagem transa, automaticamente, na
sequência ela irá morrer!
Corta para quinze anos depois e, em 1978 (época
que, no filme, seria o tempo presente), Michael Meyers, após o surto psicótico
esteve todo esse tempo numa clínica psiquiátrica, da qual já inicia o filme
escapando, em pleno Dia das Bruxas. O Dr. Samuel Loomis (Donald Pleasence,
escolhido pelo diretor provavelmente por marcar presença em festejadas
produções cult da época, como
“Armadilha do Destino”, de Roman Polanski, “THX 1138”, de George Lucas, e anos
depois, “Phenomena”, de Dario Argento) que acompanhou o caso de Michael sabe
que não existe, ali, qualquer esperança –trata-se de um assassino frio e
implacável que fará mal a quem puder. A única alternativa é tentar pará-lo.
Por razões que permanecem nebulosas durante
todo o filme (mas, que ganharão um certo respaldo em algumas das continuações),
a vítima escolhida por Michael Meyers vem a ser Laurie Strode, personagem da
própria Jamie Lee Curtis. Na verdade, este primeiro “Halloween”, em face de
toda a mitologia que construiu-se depois em torno de seus personagens,
revela-se um filme assombrosamente básico, cuja premissa serve somente às
oportunidades para o diretor John Carpenter exercitar sua técnica e construir
sua atmosfera.
E ele o faz magnificamente: Não importa se tudo
o que ele fez aqui, virou clichê nas infindáveis imitações que o filme ganhou,
em “Halloween”, essas escolhas continuam soando como decisões pontuais e
eficientes à narrativa. Por exemplo, Laurie tem duas amigas, ambas –veja só!
–muito mais sexualizadas que ela. Annie (Nancy Kyes) e Lyndsey (Kyle Richards)
planejam passar o Dia das Bruxas aos amassos com seus namorados, entretanto,
pelo menos Annie terá de se conformar em fazer o mesmo que Laurie: Trabalhar de
babá, cuidando de uma criança para um casal da vizinhança. Todavia, Lyndsey tem
planos para ajudar a amiga a escapar desse destino enfadonho. Durante grande
parte da primeira metade de “Halloween” (ou até mais!), é isso que
acompanhamos: As três amigas às voltas com uma rotina jovem e prosaica. Elas
discutem na mesma dinâmica (Lyndsey é assanhada; Laurie, pudica e chocada com
isso; e Annie mantem-se no meio-termo). Fumam maconha (tentando escapar da
vigilância do pai de Annie, um policial interpretado por Charles Cyphers). Vão
à escola, e de lá para casa. Ao longo, dessa sucessão quase banal de
acontecimentos, o diretor registra a atenção quase voyeur de Michael Meyers sobre essas garotas, criando o suspense de
uma ameaça iminente, sobretudo, graças ao uso
imodesto e intermitente da marcante trilha sonora (por sinal, de autoria
do próprio John Carpenter). Neste filme, diga-se, não há nada de tão
sobrenatural ou sobrehumano em Michael Meyers, características que ele foi
adquirindo somente mais tarde, quando o próprio filme que protagoniza foi se
consolidando como uma obra mítica dentro do gênero. Aqui, Michael rouba um
carro, e passa o filme quase inteiro observando as garotas sem nada fazer. E
tão lesadas são elas que nem lhes ocorre de chamar a polícia (ou mesmo avisar o
pai de uma delas que É policial!) quando avistam, vez ou outra, esse cara
estranho às seguindo ao longe.
A partir de mais ou menos a sua metade,
“Halloween” explode nas sequências explícitas de morte que vinha sugerindo
desde o começo –ainda que, de novo, na comparação com o que veio depois, ou
mesmo com obras anteriores, ele se mantenha bastante ameno.
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