sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Incubus 1966 e 1981


 Existem  dois filmes com o nome “Incubus” –até aí nada de mais, uma vez que inúmeros filmes partilham o mesmo título, seja nacional ou em língua estrangeira; acontece que, sendo um desses filmes a famigerada produção que passou a ser conhecida como ‘o filme mais amaldiçoado da história do cinema (!)’, isso me confundia muito: Eu havia assistido, ainda jovem em alguma reprise na TV, ao “Incubus” de 1981, quando na verdade, os críticos se referiam ao “Incubus” lançado em 1966. São dois filmes diferentes, como mais tarde, eu descobri. O problema é que o “Incubus” de 81 é um filme um bocado raro (a ponto de, numa determinada época, ser difícil até mesmo provar para algumas pessoas a sua existência!), enquanto que o de 66 é bastante famoso –ou seria melhor dizer, infame? De qualquer modo, vamos dar uma olhada nessas duas produções que partilham o mesmo título e, claro, o mesmo gênero, o terror.

As tragédias e, assim chamadas, maldições a cercar o filme de 1966 realmente impressionam por serem numerosas e contundentes, até mais do que em filmes clássicos, famosos por contratempos e acidentes mirabolantes em suas produções como "O Exorcista" e "Poltergeist-O Fenômeno". A lista que segue dá conta de alguns desses trágicos acontecimentos relacionados ao filme “Incubus”:

– A atriz Ann Atmar, intérprete da irmã do protagonista, vivido por Willian Shatner, cometeu suicídio 12 dias antes do filme estrear;

– A atriz Eloise Hardt (de “Something’s Got To Give”, o filme inacabado estrelado por Marilyn Monroe), que interpretou a líder demoníaca Amael, teve a filha sequestrada e morta por um psicopata;

–Misteriosos incêndios destruíram os cenários do filme tão logo as filmagens foram terminadas;

– O ator Milos Milos, intérprete do próprio Incubus da história, matou sua namorada Barbara Ann Thompson Rooney, ex-mulher do ator Mickey Rooney, e em seguida cometeu suicídio com um tiro na têmpora, seis meses depois, no mesmo fatídico ano de 66;

–Ao longo dos anos, o filme original acabou sendo destruído por um incêndio e suas cópias foram perdidas: por isso por muito tempo o público não teve mais a oportunidade de assistir “Incubus”. No entanto, em 1996 foi encontrada uma cópia na Cinémathèque Française de Paris. Essa cópia foi legendada em francês e distribuída em DVD no ano de 2001.

– A terceira esposa de William Shatner, Nerine Kidd Shatner, se afogou em uma piscina na mesma semana em que o filme foi lançado em DVD.

Muitos críticos atentaram para o elemento curioso que é a observação arguta, contundente e cruel na dicotomia entre homens e mulheres embutida no enredo, o que aproxima o estilo do filme da visão sombria e expressionista de Ingmar Bergman sobre os relacionamentos. O roteiro, escrito pelo diretor Leslie Stevens (criador das séries de TV “A Quinta Dimensão” e “Stoney Burke”), se debruça sobre essas questões: Num vilarejo conhecido como Nomen Tuum, uma lenda afirma que a água contida dentro dos poços é mágica, capaz de curar doenças e ferimentos, e proporcionar a almejada juventude.

Por conta disso, Nomen Tuum é muito visitada por homens maus e ganaciosos, os quais, por sua vez, atraem criaturas demoníacas em forma feminina (chamadas Súcubos, ou no original Succubus) sedentas por atrair esses indivíduos corrompidos e despachar suas almas diretamente para o inferno.

Uma dessas criaturas é Kia (Allyson Ames, de “O Colecionador”) que, farta das almas inescrupulosas de sempre, deseja desafiar-se ao enviar para o inferno a alma de um bom homem. Kia encontra o alvo ideal em Marc (William Shatner), um soldado valoroso e honesto em regresso da guerra que aparece em Nomen Tuum para hospedar-se com a irmã Arndis (Ann Atmar que, na curta carreira de atriz, fez o filme “O Vento Frio de Agosto”) e valer-se das águas milagrosas para curar suas feridas de batalha. Entretanto, ao se aproximar de Marc, Kia se apaixona, o que a conduz à sua perdição. Num pacto com sua irmã e líder, Amael, Kia invoca em Nomen Tuum a presença de um Íncubo (ou, no original, Incubus), um demônio em forma de homem vivido por Milos Milos (de “Os Russos Estão Chegando! Os Russos Estão Chegando!”), que promove uma sucessão de tragédias macabras no lugar. A sequência final, mostrando um confronto entre Kia e o Incubus transformado em um bode preto às portas de uma igreja é antológica.

O diretor Stevens decidiu rodar “Incubus” falado em esperanto (língua artificial desenvolvida para ser uma língua franca, um idioma com o qual todos conseguissem se comunicar sistematicamente, hoje o esperanto é até usado em alguns subúrbios norte-americanos), com o objetivo de fornecer ao filme uma atmosfera particular, surreal e assustadora. Conseguiu: “Incubus” exala uma sensação onírica de pesadelo que faz dele um dos filmes mais estranhos que você poderá assistir.


 Este outro “Incubus” data de 1981 (possivelmente a data de produção enquanto o lançamento foi provavelmente em 1982), tendo com o tempo tido o mesmo destino que todos os demais filmes de terror obscuros dos anos 1980: Virar uma reprise constante em madrugadas da TV –onde, aliás, eu terminei assistindo-o. Por eu ser ainda um adolescente na época, seu clima tétrico me apavorou bastante, no entanto, hoje acredito que suas restrições técnicas e seu orçamento limitado típico de filme B seriam bem mais gritantes aos meus olhos.

Dirigido por John Hough (esteta de terror britânico que realizou, entre outros, “As Filhas de Drácula”, com a gêmeas Collinson), este outro “Incubus” é adaptado do livro escrito por Ray Russel em 1976 (e, ao que tudo indica, completamente ignorante da existência do filme de Leslie Stevens), e roteirizado por Sandor Stern (diretor do cult “Pin-Uma Jornada Através da Loucura”), no entanto, o script sofreu tantas alterações movidas por seu protagonista, o ator (e diretor conceituado) John Cassavettes, que o pseudônimo Jorge Franklin foi quem recebeu o crédito de roteirista.

Nos arredores da cidade de Wisconsin, a população é abalada por um trágico e inexplicado ataque à um casal de namorados nas margens de um lago perto da zona rural: Enquanto o rapaz foi brutalmente assassinado, a garota foi violentamente estuprada. Ao mesmo tempo em que seguem as investigações –capitaneadas pelo médico-legista Sam Cordell (Cassavettes) e pelo xerife local Hank Walden (John Ireland, de “Rio Vermelho”) –acompanhamos a aflição do jovem Tim Galen (Duncan McIntosh) que, a medida que os crimes se sucedem, começa a relacionar seus sonhos, vívidos e horripilantes, com esses acontecimentos. Tim começa a suspeitar que esses crimes, sem sombra de dúvidas, perpetrados por algo de origem sobrenatural, podem estar sendo provocados por seus sonhos.

Para tornar ainda mais pessoal a busca do Dr. Cordell por respostas, Tim começa a namorar sua filha, Jenny (Erin Noble, de “Caindo Na Própria Armadilha” e “Sindicato da Violência”). Completando o núcleo de protagonistas –rodeado por um sem-fim de coadjuvantes palermas, em especial, as sucessivas vítimas da criatura em ataques planejados para inspirarem pavor, mas que soam estranhamente sádicos e fetichistas –está a repórter Laura Kincaid (Kerrie Kane, do drama erótico “Spasms”) que curiosamente lembra, e muito, a falecida esposa do Dr. Cordell.

Concebido na esteira obscuramente comercial do filmes de terror daqueles anos 1980 de então –a influência-mor de “O Exorcista” e toda a sorte de produções com tema satanista, e as produções de slasher daquela década (com o diferencial de que as mortes, aqui, veem acrescidas do elemento um tanto quanto sórdido do estupro) –e ainda buscando, no caráter despojado de sua produção, uma ousadia (para não dizer sensacionalismo) herdada dos filmes de exploitation da década anterior, este “Incubus” reserva algumas surpresas um bocado sinistras no seu desfecho, incluindo ali um final-surpresa muito mais desconcertante pelo seu grau de crueldade e pessimismo do que por seu viés inesperado.

Na sua trama abarrotada de elementos pouco compatíveis –como detalhes da investigação criminal, o mistério em torno do demônio sobrenatural e um inusitado background envolvendo caçadores de bruxas –e nas atuações predominantemente apáticas (mesmo o veterano Cassavettes se mostra pouco inspirado), podemos encontrar muitos dos motivos que levaram este “Incubus” ao esquecimento: Apesar de uma ideia relativamente promissora no seu horror palpitante (podemos apenas imaginar o que mestres como Mario Bava ou Lucio Fulchi teriam feito com o material), é um filme arrastado, editado com desleixo e dirigido com certa burocracia, não obstante um ou outro momento de iluminação do diretor Hough –entre eles, certamente, seu marcante final.

P/S: Em pesquisas internet afora, é possível encontrar pelo menos outros três filmes, também com o nome “Incubus” (!), todos de procedência do cinema poeira com orçamento de fundo de quintal (!!), e pelo menos um –este intitulado “Inkubus” com ‘K’ –estrelado pelo célebre Robert Englund, o cultuado ator de “A Hora do Pesadelo”.

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