Roman Polanski realizou este “Cul-De-Sac” –“Beco Sem Saída”, na tradução literal –um ano após seu excelente “Repulsa Ao Sexo” e, embora este novo trabalho, pulsante de humor negro, não alcance a grandeza da obra anterior, Polanski mostrou-se abertamente mais satisfeito com este resultado do que com o memorável suspense estrelado por Catherine Deneuve. E para isso há uma razão muito particular: Em sua temática e execução, “Cul-De-Sac” conversa muito melhor com as inquietações pessoais que sempre fizeram o gosto de Polanski.
Nele, o diretor polonês tem a oportunidade de
mesclar humor e tensão com resultados desconcertantes, vislumbrar as fissuras
do relacionamento homem/mulher com indiscreta contundência e ainda trabalhar
amplamente os desdobramentos do desconforto –uma tema que sempre o fascinou.
A surgir por uma estrada deserta em algum ponto
da Inglaterra, vemos na cena inicial, um carro sendo empurrado. Ele traz Dicky
(Lionel Stander, de “Era Uma Vez No Oeste”) e Albie (Jack MacGowran, de “A
Dança dos Vampiros”, filme seguinte de Polanski). Os dois são capangas de
gangsteres vindos, aparentemente, de uma operação que deu errado: O moribundo
Albie tem um tiro fatal na barriga; Dicky foi alvejado no braço direito.
Disposto a encontrar refúgio, Dicky caminha até
um casarão antigo, à beira-mar, ocupado pelo casal George (Donaldo Pleasence) e
Teresa (Françoise Dorléac, irmã de Catherine Deneuve).
Ele é rico, civilizado, acomodado e passivo.
Ela é jovem, atrevida, impetuosa e infiel –quando Dicky a flagra pela primeira
vez, está aos beijos com o jovem filho de um morador das redondezas.
Logo, Dicky invade o casarão e, de uma maneira
um tanto desleixada, os faz de reféns. Seu plano é aguardar pela chegada de
ajuda –de preferência, fornecida por seus chefes mafiosos –e, enquanto tal
ajuda não vem, Dicky espera, fazendo nesse processo, com que os nervos
acirrados pela situação galguem extremos intoleráveis de injúria e provocação.
As discrepâncias inerentes a todo o casal que George e Teresa compartilhavam só
vão assim se acentuando com a circunstância: Porque Teresa cobra uma atitude
mais digna e valente de George e, diante da frustrante cordialidade dele, busca
juntar laços existenciais com o truculento Dicky, aliando-se a ele nas
provocações ao infeliz George, prostrando-se nas tarefas que Dicky deseja ver
realizadas (como cavar uma cova para o cadáver de Albie), e usando de pretextos
para inferiorizar o próprio marido ante o sequestrador grosseiro.
Polanski vê nessa dinâmica uma miríade de
possibilidades que ele explora de forma tão sardônica quanto empolgada
–expectadores avessos ao humor negro que ele discorre certamente farão fortes
ressalvas ao filme.
Em algum momento, Polanski tem a ideia de
novamente alternar essa dinâmica: Chegam, como quem não quer nada, um grupo de
desavisados amigos burgueses ao casarão (entre eles, uma ainda jovem Jacqueline
Bisset), e com isso, Dicky tem de fingir ser o mordomo do lugar, enquanto não
decidem ir embora.
Novamente, Teresa se mostra volátil: Sem o
artifício da ameaça com a qual exercia controle, Dicky tem que aguentar as
humilhações dela para manter a dissimulação, ainda que por uma margem muito
pequena.
Finalmente livres das visitas indesejadas,
George e Dicky parecem relaxar, mas não Teresa; ela está disposta a ver o circo
pegar fogo. Queima os pés de Dicky enquanto ele dorme, e diante do castigo que
recebe, coloca George novamente contra ele afirmando que Dicky tentou
violentá-la. Há algo de vilanesco e extremamente calculista em Teresa. São
facetas que vão ficando mais e mais claras nas revisões do filme, mas é nítido
que Polanski jamais reduz ela a um arquétipo tão simplório –devido à formosura
palpitante de Françoise Dorléac, ela é também a personagem mais cativante em
cena, o que somente depõem a favor da constantemente reabilitada bizarrice que
o filme evoca.
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