segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Armadilha do Destino

 


Roman Polanski realizou este “Cul-De-Sac” –“Beco Sem Saída”, na tradução literal –um ano após seu excelente “Repulsa Ao Sexo” e, embora este novo trabalho, pulsante de humor negro, não alcance a grandeza da obra anterior, Polanski mostrou-se abertamente mais satisfeito com este resultado do que com o memorável suspense estrelado por Catherine Deneuve. E para isso há uma razão muito particular: Em sua temática e execução, “Cul-De-Sac” conversa muito melhor com as inquietações pessoais que sempre fizeram o gosto de Polanski.

Nele, o diretor polonês tem a oportunidade de mesclar humor e tensão com resultados desconcertantes, vislumbrar as fissuras do relacionamento homem/mulher com indiscreta contundência e ainda trabalhar amplamente os desdobramentos do desconforto –uma tema que sempre o fascinou.

A surgir por uma estrada deserta em algum ponto da Inglaterra, vemos na cena inicial, um carro sendo empurrado. Ele traz Dicky (Lionel Stander, de “Era Uma Vez No Oeste”) e Albie (Jack MacGowran, de “A Dança dos Vampiros”, filme seguinte de Polanski). Os dois são capangas de gangsteres vindos, aparentemente, de uma operação que deu errado: O moribundo Albie tem um tiro fatal na barriga; Dicky foi alvejado no braço direito.

Disposto a encontrar refúgio, Dicky caminha até um casarão antigo, à beira-mar, ocupado pelo casal George (Donaldo Pleasence) e Teresa (Françoise Dorléac, irmã de Catherine Deneuve).

Ele é rico, civilizado, acomodado e passivo. Ela é jovem, atrevida, impetuosa e infiel –quando Dicky a flagra pela primeira vez, está aos beijos com o jovem filho de um morador das redondezas.

Logo, Dicky invade o casarão e, de uma maneira um tanto desleixada, os faz de reféns. Seu plano é aguardar pela chegada de ajuda –de preferência, fornecida por seus chefes mafiosos –e, enquanto tal ajuda não vem, Dicky espera, fazendo nesse processo, com que os nervos acirrados pela situação galguem extremos intoleráveis de injúria e provocação. As discrepâncias inerentes a todo o casal que George e Teresa compartilhavam só vão assim se acentuando com a circunstância: Porque Teresa cobra uma atitude mais digna e valente de George e, diante da frustrante cordialidade dele, busca juntar laços existenciais com o truculento Dicky, aliando-se a ele nas provocações ao infeliz George, prostrando-se nas tarefas que Dicky deseja ver realizadas (como cavar uma cova para o cadáver de Albie), e usando de pretextos para inferiorizar o próprio marido ante o sequestrador grosseiro.

Polanski vê nessa dinâmica uma miríade de possibilidades que ele explora de forma tão sardônica quanto empolgada –expectadores avessos ao humor negro que ele discorre certamente farão fortes ressalvas ao filme.

Em algum momento, Polanski tem a ideia de novamente alternar essa dinâmica: Chegam, como quem não quer nada, um grupo de desavisados amigos burgueses ao casarão (entre eles, uma ainda jovem Jacqueline Bisset), e com isso, Dicky tem de fingir ser o mordomo do lugar, enquanto não decidem ir embora.

Novamente, Teresa se mostra volátil: Sem o artifício da ameaça com a qual exercia controle, Dicky tem que aguentar as humilhações dela para manter a dissimulação, ainda que por uma margem muito pequena.

Finalmente livres das visitas indesejadas, George e Dicky parecem relaxar, mas não Teresa; ela está disposta a ver o circo pegar fogo. Queima os pés de Dicky enquanto ele dorme, e diante do castigo que recebe, coloca George novamente contra ele afirmando que Dicky tentou violentá-la. Há algo de vilanesco e extremamente calculista em Teresa. São facetas que vão ficando mais e mais claras nas revisões do filme, mas é nítido que Polanski jamais reduz ela a um arquétipo tão simplório –devido à formosura palpitante de Françoise Dorléac, ela é também a personagem mais cativante em cena, o que somente depõem a favor da constantemente reabilitada bizarrice que o filme evoca.

Remetendo também à circunstância básica observada no visceral “Sob O Domínio do Medo”, de Sam Peckinpah –onde um marido demasiadamente urbanizado e uma esposa linda, jovem e fútil têm as fragilidades de seu matrimônio confrontadas com uma situação de confinamento insuportável –Polanski constrói um filme claustrofóbico e instigante destituído de rótulos ou de definições cinematográficas confortáveis. Como todo jovem diretor que se preze no auge de seu experimentalismo formal e atrevimento narrativo, ele aqui está disposto à provocar.

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