A câmera de Zhang Ymou deixa-se hipnotizar por
Gong Li, neste filme talvez mais do que em todos os outros que fizeram juntos
(e como são excepcionais!). Não podia ser diferente.
O filme muda de tom quando ela não está em
cena. “Sorgo Vermelho” começa atroz e sem esperança, com a jovem sendo levada
para um casamento, que ela sabe de antemão, não lhe será satisfatório. Os
empregados que conduzem sua liteira não têm qualquer compaixão para com seu
drama, e ainda a sacaneiam, agitando e pulando com seu transporte, tornando a
viagem ainda mais insuportável. Em algum momento, um deles se dá conta do
quanto estão sendo cruéis, ao ouvir seu choro suspirado.
Mais tarde, ela testemunhará a morte de seu
marido ancião e, numa das cenas mais lindas do cinema, um burrinho de carga a
conduzirá, através das hastes esvoaçantes do campo verde por onde ela passou.
Lá, ela se reencontrará com o líder dos empregados que a levaram. Lá, ela
descobrirá que será ele quem virá a ser seu marido de fato.
A partir daí, a narrativa de “Sorgo Vermelho”
se estabelece na fazenda em que é confeccionado o vinho, a partir do sorgo cuja
fórmula os empregados, deixados pelo seu senhor, não sabem dominar. Essa
tentativa em dominar a arte do sorgo se estenderá por anos, atravessará a
Segunda Guerra Mundial, e confrontará os personagens com tragédia imensuráveis,
para as quais nenhum (nem mesmo o expectador) estará preparado.
Se dividirmos “Sorgo Vermelho” em três atos, o
primeiro é certamente o que carrega com mais evidência a assinatura de seu
diretor. Lá estão a sua capacidade inata de escolher o melhor enquadramento
possível, a confiança inabalável no talento de seu diretor de fotografia, e em
sua atriz principal, assim como está também a condução acertada, de marcações
visuais que o tornam emotivo e envolvente.
O segundo ato é mais árido, não somente por
concentrar-se no cenário empoeirado da confecção de vinho, mas por apresentar
aos personagens a esmagadora rotina que, para bem ou para o mal, será a
necessidade que ocupará suas vidas. E junto com essa rotina virão as
inapeláveis dificuldades e obstáculos. E talvez, seja um dado de absoluta
ironia que, neste mesmo ato, sejam introduzidos os poucos elementos de fantasia
da trama.
O terceiro e último ato me
lembra um pouco o clássico biela-russo “Vá e Veja”, com a guerra transformando
para pior todo o mundo que antes parecia tão reto e certo. É quando surgem
inevitavelmente os primeiros lampejos reais de crueldade da parte de seus
personagens, inclusive da cativante protagonista. No final, como costuma ser
habitual à Zhang Ymou, ele escolhe o momento mais desolador para deixar o
expectador, encerrando “Sorgo Vermelho” com um registro amargo. Esse desfecho,
somado às brilhantes características que vieram antes, fazem desta uma
experiência cinematográfica das mais gratificantes e recompensadoras.
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