terça-feira, 3 de novembro de 2015

Sorgo Vermelho

A câmera de Zhang Ymou deixa-se hipnotizar por Gong Li, neste filme talvez mais do que em todos os outros que fizeram juntos (e como são excepcionais!). Não podia ser diferente. 
O filme muda de tom quando ela não está em cena. “Sorgo Vermelho” começa atroz e sem esperança, com a jovem sendo levada para um casamento, que ela sabe de antemão, não lhe será satisfatório. Os empregados que conduzem sua liteira não têm qualquer compaixão para com seu drama, e ainda a sacaneiam, agitando e pulando com seu transporte, tornando a viagem ainda mais insuportável. Em algum momento, um deles se dá conta do quanto estão sendo cruéis, ao ouvir seu choro suspirado. 
Mais tarde, ela testemunhará a morte de seu marido ancião e, numa das cenas mais lindas do cinema, um burrinho de carga a conduzirá, através das hastes esvoaçantes do campo verde por onde ela passou. Lá, ela se reencontrará com o líder dos empregados que a levaram. Lá, ela descobrirá que será ele quem virá a ser seu marido de fato. 
A partir daí, a narrativa de “Sorgo Vermelho” se estabelece na fazenda em que é confeccionado o vinho, a partir do sorgo cuja fórmula os empregados, deixados pelo seu senhor, não sabem dominar. Essa tentativa em dominar a arte do sorgo se estenderá por anos, atravessará a Segunda Guerra Mundial, e confrontará os personagens com tragédia imensuráveis, para as quais nenhum (nem mesmo o expectador) estará preparado. 
Se dividirmos “Sorgo Vermelho” em três atos, o primeiro é certamente o que carrega com mais evidência a assinatura de seu diretor. Lá estão a sua capacidade inata de escolher o melhor enquadramento possível, a confiança inabalável no talento de seu diretor de fotografia, e em sua atriz principal, assim como está também a condução acertada, de marcações visuais que o tornam emotivo e envolvente. 
O segundo ato é mais árido, não somente por concentrar-se no cenário empoeirado da confecção de vinho, mas por apresentar aos personagens a esmagadora rotina que, para bem ou para o mal, será a necessidade que ocupará suas vidas. E junto com essa rotina virão as inapeláveis dificuldades e obstáculos. E talvez, seja um dado de absoluta ironia que, neste mesmo ato, sejam introduzidos os poucos elementos de fantasia da trama. 
O terceiro e último ato me lembra um pouco o clássico biela-russo “Vá e Veja”, com a guerra transformando para pior todo o mundo que antes parecia tão reto e certo. É quando surgem inevitavelmente os primeiros lampejos reais de crueldade da parte de seus personagens, inclusive da cativante protagonista. No final, como costuma ser habitual à Zhang Ymou, ele escolhe o momento mais desolador para deixar o expectador, encerrando “Sorgo Vermelho” com um registro amargo. Esse desfecho, somado às brilhantes características que vieram antes, fazem desta uma experiência cinematográfica das mais gratificantes e recompensadoras.

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